Casca Vazia

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De todos os nomes de insanos e alucinados que já se ouviu por Londres, o nome de Robert Blakeworth era o mais comum em 1774.

Na tarde cinzenta de uma quarta-feira, espalhou-se por parte da cidade um boato sobre o místico: aos cinquenta e três anos de idade, o senhor Blakeworth teria afirmado aos seus seguidores que há algum tempo atrás havia alcançado a imortalidade, da qual ele perseguia há décadas durante seus estudos sobre alquimia.

Não demorou nada para que os jornalistas e curiosos cercassem sua mansão. Alguns a fim de alvoroço, alguns atrás informações, e por fim, os que desejavam a fórmula da vida eterna, nem que para isso, no alto do bom-senso, tivessem que matar o imortal.

O senhor Blakeworth acreditava piamente que todos seus estudos finalmente o levaram a imortalidade. Seu desejo primitivo era de conseguir um corpo divino o bastante a ponto de alcançar a invulnerabilidade total àqueles que o ferirem fisicamente e, principalmente, nunca mais envelhecer.

Seu asco por envelhecer era tamanho que chegou ao ponto de se desfazer de todos os espelhos de sua enorme casa assim que os primeiros fios brancos apareceram, e não era só isso. Robert Blakeworth jamais foi capaz de se relacionar com uma mulher novamente. Isso o deixava triste.

Mas agora, seu reinado eterno finalmente poderia começar. Ele estava observando a multidão que se formava lá fora pela janela da sala de estar. Lustrava o anel de ouro e rubi e pensava sobre o mundo do qual ele iria perpetuar.

— O chá está pronto – disse Eliza, quando entrou para avisa-lo.

— Já vou descer, obrigado.

Eliza Remington serviu e cuidou do senhor Blakeworth e de seu gênio obsessivo durante quase trinta anos. Ela era gentil. Gentil de uma forma que você provavelmente não a deixaria fazer o tanto de tarefas caseiras que ela fazia todos os dias com prazer, se não fosse um homem obsessivo o bastante para não tirar o focinho de uma sala empoeirada e cheia de experimentos durante mais da metade do dia.

Quando Robert apareceu, a mesa estava posta: o chá preto, torradas, salsicha, o queijo fromage fremier de difícil acesso na Inglaterra. E por fim, os bolinhos e caramelos. Eliza sempre era abundante no que se tratava de pôr uma boa mesa, e há anos ela não via o senhor Blakeworth tão disposto a comer.

Começou com a salsicha, ainda quente. Depois, devorou as torradas e o queijo, cortado em tiras. Sorveu todo o chá e adoçou o paladar com um cubo de caramelo.

— Permita-me tirar a mesa hoje, Eliza – disse o senhor Blakeworth.

— De jeito nenhum – a empregada interveio — Você certamente reparou que há uma multidão em frente à casa, não?

O senhor Blakeworth penteou o bigode grisalho e afofou chapéu. As pessoas comuns e mortais jamais haviam visto Robert Blakeworth sem um chapéu pork pie na cabeça.

— Infelizmente, Eliza. Preciso dar-lhes alguma satisfação.

Eliza Remington sorriu, concordou com a cabeça e não demorou muito a começar a tirar a mesa, já que suas deliciosas geleias caseiras já estavam no fogo, cozinhando.

Do lado de fora da casa, o pequeno pandemônio de pessoas das mais variadas opiniões e credos crescia a cada instante. O senhor Blakeworth subiu as escadas da mansão para observá-los novamente e notou uma turma de religiosos recém-chegados o acusando fortemente de bruxaria. Robert odiava ter que dar satisfações. Ele era livre agora. Esta seria sua última polêmica.

Não pensou mais que duas vezes até que resolveu colocar o casaco longo e dar o fora de lá escondido. Desceu as escadas, passou pela sala de jantar e caminhou até um pequeno hall nos fundos da casa. Lá, pegou sua habitual bengala e se esforçou ao máximo para passar pela portinha dos fundos, que não era espaçosa o suficiente para a barriga do senhor Blakeworth não passar espremida.

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