Capítulo 2 - Hoohak do Marshmello

0 0 0
                                    


Uma decoração com bastante caixotinhos de madeiras de vários tamanhos, com almofadas cobertas por panos estilo árabe, e uma luz do ambiente bem amarelada. O que mais me chamou atenção foi um quadro enorme na parede de entrada com um panda desenhado, fumando um narguilé e soltando fumaça colorida, embora na realidade fosse apenas uma imensa nuvem acinzentada. Um rapaz, em torno de vinte e quatro anos, com barba, estava sentado no centro do mini palco, cantava e tocava, covers de músicas sertanejas e também de funks. Devo confessar que a banda estava bem elaborada.

No entanto, a fumaça penetrou cortando os nervos do meu nariz, fiz uma careta e o Jotalu me guiou para a sacada enquanto ele e Miele permaneceram sentados no caixotinho fumando um pouco.

Eu não estava muito longe de casa. Da sacada, dava para ver o céu noturno da cidade, as luzes acessas, as casas vizinhas nas quais eu tinha muita dó dos moradores por conta do movimento que frequentemente se alastrava pela rua. Enfim, eu não gostava do hookah em si, mas as pessoas passando ao meu redor, vê-las felizes e animadas, motivava minhas esperanças na vida. Nem sempre o lugar que gostamos nos trará tanta paz quanto um lugar diferente, repleto de gente.

Encostei meus cotovelos no parapeito e apoiei o queixo em minhas mãos, contemplando as estrelas. As três-marias na verdade se chamavam Mintaka, Alnilam e Alnitak, poucos sabem disso e eu preciso me segurar para não pôr o nome dos meus filhos assim.

Sempre reflito no quanto não quero ser famosa e na quantidade de amor que perderia se eu fosse. O anonimato traz para uma vida normal, seja rico ou seja pobre. Estar na posição de jamais vista pelo mundo, traz olhares que eu jamais conheceria se fosse vista. Nomes, pessoas, momentos e situações. Quem viveria a vida de uma menina que vai para uma escola pública, depois para um hookah contemplar o céu numa varanda, com João Lucas enchendo o saco e vendo a melhor amiga, Miele, boba apaixonada? Quem vai para festa de aniversário em um Hookah às duas da manhã ascender velinhas na fogueira da varanda e comer marshmello com chocolate derretido? Quem se compadeceria do pai dela e o dedicaria as orações noturnas? Sim, pois, quem amaria além da dor?

Estar em anônimo para mim, era estar em uma caixinha bem protegida, vivendo cada segundo como o último, não podendo ir além, mas aproveitando cada diâmetro da caixa e amando as pessoas que ninguém iria querer se prender para amá-las. A vida, por fim, é uma imperfeição perfeita.

— Oi lindinha, tudo bem? O que fazes aqui sozinha? — a voz masculina do sujeito, chega ao meu entendimento.

— Ai, Jotalu... paciência!

— Concede-me esta dança?

— Não. Por que não requisita a Miele?

— Na verdade, a Miele está requisitando estúdio de tatuagem.

— Tatuagem? — Meus olhos marejam.

— Sim, decidimos fazer uma. Eu, você e ela.

— Agora, de madrugada?

— Sim.

— Vou fazer um marshmello — diz Miele, de longe, contemplando o marshmello na luz da fogueira.

— Não tenho dinheiro nem para mochila, quem dirá para tatuagem — digo para Jotalu.

— Relaxa, o camarada é amigo meu, pelo menos uma pequena ele pode fazer em você, depois eu acerto com ele.

— Sério? Então eu super topo. Só me deixa contemplar o céu mais um pouco?

— Por que você é tão contemplativa?

— Sei lá. Não te alegra ter um lugar para chamar de seu? Um lugar a salvo, onde ninguém pode te perturbar. Eu não queria estar em nenhum outro lugar no mundo, mas exatamente aqui — finalizo e ele solta um riso fraco, mas sincero.

— Verdade, Betina. Quando estiver finalizado, estaremos prontos.

Olhei para o céu, para a lua, que parecia ser o olho de Deus e perguntei a Ele, em meus pensamentos:

— O que acha da ideia?

"Ação e consequências."

A Menina das LuvasOnde histórias criam vida. Descubra agora