Tombi

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A força da tempestade continuava com um poder descomunal lá fora. Vash conseguia ouvir tudo perfeitamente, desde os milhares grãos de areia se chocando contra a fortaleza rochosa natural quanto o assobio perturbador quando o ar passava pelos incontáveis túneis do local. Felizmente, a brisa que chegava até ele e Bell era fraca, às vezes inexistente. Isso os mantinha aquecidos naquela noite turbulenta, com o auxílio do corpo confortável de Bridge, a montaria fiel da caçadora, e do fogo aceso desde que chegaram ali. As luzes das chamas eram as únicas que iluminavam aquele local desolado e mesmo sendo totalmente inóspito e, em partes, intimidante, uma porção de Vash encontrava paz.

Porém, o descanso de sua alma durou pouco. Rapidamente, sua cabeça voltou a trabalhar em velhas e enraizadas crenças. Como resultado, era impossível o homem ter sua tranquilidade. A chance de uma felicidade parecia distante outra vez, assim como a probabilidade de vencer seus próprios obstáculos. Vash queria acreditar que poderia mudar, tanto a si quanto ao mundo em que vivia.

Mas querer não era poder.

O estalo mais alto da fogueira conquistou sua atenção, fazendo-o subir o olhar. O fogo presente estava em seus momentos finais, não restando mais nada a ser queimado. Essa cena acabou sendo estranhamente familiar para o homem, onde seu coração pouco tinha para consumir. Às vezes, pequenos momentos de alegria, e outras, memórias queridas.

As chamas de sua alma sempre foram fracas como aquelas...

Abatido, Vash buscou a imagem de Bell ao seu lado. Diferente dele, ela parecia completa. Seu sono ininterrupto sugeria que ela descansava o que precisava. Se fosse apostar, até diria que tinha bons sonhos. Mas rapidamente o homem notou pequenos traços de incômodo e dor na face da mulher, como o aperto sutil dos olhos e pequenos espasmos. Seu olhar rapidamente desceu até o ferimento da amiga e por esta estar desprovida de sua camisa, avaliar o curativo era fácil. As ataduras estavam manchadas de sangue, mas seu tamanho indicava que tudo estava sobre controle. Aparentemente, o medicamento especial de Bell estava funcionando e seu metabolismo acelerado regenerava a carne depressa. O homem se lembrava vagamente das consequências do uso daquele tipo de remédio milagroso, como terríveis pesadelos e febre persistente. Por isso, com muito cuidado, Vash levou sua mão timidamente até o rosto da mulher, afastando as mechas castanhas claras da testa molhada e constatando a temperatura acima da média. Suas feições se contorceram em angústia, mas não havia nada em seu alcance para livrar a amiga de sua situação. Somente tempo era necessário, o que significava passar por aquelas provações.

Triste, o homem continuou a zelar pelo sono turbulento da mulher. Conforme os minutos passavam, nada realmente mudava. E dentro da mente do procurado, as lembranças de horas atrás vinham com grande força. Em um momento, um sorriso apático não pôde ser detido. A felicidade de ser, de alguma forma, relevante para alguém dava lugar ao remorso. Vash, mais uma vez, não se sentia apto ou digno de ser querido novamente. Um ser como ele, amaldiçoado por um destino incerto e mensageiro de infortúnios, não deveria receber uma dádiva como aquela. As amizades que fez ao longo dos últimos anos eram pesadas demais para alguém como ele.

O que eles enxergavam em si que os faziam ficar?

De repente, a última brasa se extinguiu com vento mais forte. O frio se fez presente e o homem não conseguiu evitar de se encolher no processo. Porém, sua atenção rapidamente se voltou a caçadora adormecida e prontamente ajustou seu sobretudo sobre ela. Era a única peça limpa o bastante para protegê-los do frio do deserto e Vash sabia que não era o suficiente. Por isso, ele priorizou o bem-estar da mulher e assim que notou o suavizar das feições de incômodo, seu peito ficou mais leve.

Com calma e jeito, o homem retornou a se acomodar contra o grande corpo de Bridge. Seus olhos ardiam, mas não por sono. Eles estavam pesados por tantas lágrimas terem sido derramadas. Vash respirou fundo e lentamente fechou seus olhos para conseguir descansar um pouco. Queria que sua mente não o traísse...

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