Ok, isso é uma grande loucura.
Hoje, um sábado incrivelmente ensolarado e com uma temperatura que beirava os trinta graus celsius, era o grande dia da estreia do programa e digo "grande dia" com uma enorme ironia por trás dessas duas palavras por dois motivos: o primeiro é que eu me inscrevi nesse reality por impulso e agora estou com medo de tudo que pode acontecer e o segundo motivo é porque estou com vergonha de precisar passar por isso para, de repente, ter esperança de que através de todo esse circo minha vida vai se resolver.
Veja bem, não é um reality em que nos matamos em algumas provas para que consigamos ganhar um bom valor de prêmio como a casa mais vigiada do Brasil, a BBV, mas sim um programa para que consigamos mudar, ou ao menos tentar, nossa vida amorosa.
A que ponto cheguei?
Sempre assisti esses programas com um balde de pipoca, sorvete e talvez um café ou chocolate quente, mas jamais em todos os meus trinta e cinco anos de existência me imaginei aqui, de frente para esse monte de gente, confinada com várias outras gurias, precisando estar maquiada em noventa por cento das vezes que apareço e com inúmeras câmeras vidradas em minha direção.
Não é que eu não goste da minha vida ou que precise de um método tão drástico assim para que eu encontre o "amor da minha vida" ou apenas alguém para dar uns beijos, ter uma transa casual e depois fingir que nada aconteceu.
Na realidade inúmeras vezes já pensei que essa coisa toda de amor seja uma besteira inventada por uma sociedade capitalista para sempre ganhar acerca desse argumento, mas também já quis muitas vezes que isso acontecesse comigo pelo menos uma vez na vida.
Sei que é estranho uma mulher com quase quarenta anos não ter amado nenhuma vez na vida, pelo menos não de forma romântica, mas eu sempre me dediquei demais na minha existência. No meu ensino fundamental eu queria sempre ser a melhor aluna, ensinar os outros e ser elogiada pelos professores em todos os conselhos de classe, no ensino médio eu seguia querendo a mesma coisa, mas com o bônus – ou ônus – de ter que me preparar para prestar vestibular e, o que eu sempre achei ainda mais difícil, escolher um curso que me trouxesse uma carreira confortável o suficiente para que pudesse ter para o resto da vida e que fosse, para mim, vantajosa e me despertasse interesse e, quem sabe, até amor.
Então, embora eu não me arrependa da minha trajetória até aqui, não deixei que sobresse tempo para nada além de estudos o que me deixou meio desajeitada para qualquer tipo de interação social. Claro que eu já beijei, já transei, já fui para festas e toda essa coisa que qualquer jovem faz, mas foram poucas vezes e, de certa forma, parece que não foram o suficiente.
Então, quando surgiu a oportunidade de me inscrever nesse programa, fiz a primeira coisa impensada em toda minha vida, enviei minha inscrição, fui selecionada e agora estou aqui sem saber o porquê fiz isso, mas sabendo que preciso bancar a minha escolha.
Certo, para que entendam a dinâmica do programa, vou explicar:
É um reality show que tem tudo para ser inovador porque será o primeiro em que destacará e deixará o amor sáfico em evidência. Será composto por mulheres lésbicas – como eu – ou bissexuais que irão embarcar em uma jornada em busca da conexão perfeita como eles dizem na chamada do programa onde o foco não será aparência física.
Eu, como uma mulher lésbica, negra e que não performa feminilidade – popularmente chamada de desfem – queria que outras mulheres como eu se vissem representadas na televisão, no celular, nas notícias ou em qualquer outro meio de comunicação.
Durante toda a minha vida, principalmente da adolescência até agora, me senti invisível na sociedade de um dos países mais preconceituosos do mundo apenas por não querer performar feminilidade, algo que acho horrível no século em que vivemos, talvez essa tenha sido a razão para que eu me esforçasse tanto na minha vida toda para ser vista e agora não é diferente.
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Cegamente Conectadas
RomanceLua Meirelles, uma virginiana dedicada, divide seu tempo entre lecionar educação física na universidade e numa escola pública. Organizada e apaixonada pelo que faz, Lua leva uma vida planejada e cheia de metas. Do outro lado da cidade, Cecília Souza...