Capítulo 16 Almoço em família

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Otávio Guimarães 

Almoçar na casa dos meus pais era uma tradição que eu sempre mantinha, mesmo com a correria dos negócios. Eu apreciava esses momentos de descontração, onde o peso das responsabilidades parecia mais leve, mesmo que por algumas horas. Hoje, no entanto, algo me dizia que seria diferente.

Cheguei à casa deles um pouco antes do horário combinado. Minha mãe, com o sorriso acolhedor de sempre, abriu a porta.

— Otávio! Que bom que chegou cedo! — Ela me abraçou com aquele calor que só mãe consegue transmitir. — Seu pai já está preparando o vinho que você gosta.

— Obrigado, mãe. Senti falta disso. — respondi, devolvendo o abraço e tentando esconder o leve desconforto que começou a me incomodar desde que decidi vir para cá.

Entramos, e logo vi meu pai na sala, organizando a mesa. Ele me cumprimentou com um aceno de cabeça e um sorriso.

— Otávio, espero que esteja com fome. Sua mãe fez aquele assado de cordeiro que você adora.

— Estou, sim, pai. E esse vinho vai cair bem.

Mal terminei de falar, a porta da frente se abriu novamente, e Lucas entrou, esbanjando aquela confiança meio debochada que sempre me incomodou. Ele tinha o talento de transformar qualquer conversa em algo provocativo, como se a vida fosse um grande jogo de palavras para ele.

— Olha só, o príncipe dos negócios já chegou! — Lucas exclamou, já me alfinetando. Ele sempre soube como me tirar do sério.

— Lucas... — murmurei, tentando manter a calma. — Chegou na hora certa, o almoço já vai ser servido.

— E como estão as coisas na empresa, Otávio? — perguntou meu pai, puxando conversa enquanto íamos para a mesa.

— Tudo correndo bem. Alguns desafios, como sempre, mas nada fora do normal.

Nos sentamos, e o aroma do assado preenchia o ar, despertando meu apetite. Minha mãe começou a servir os pratos, enquanto Lucas me lançava olhares de quem estava prestes a aprontar algo.

— E como vai a sua "hóspede" misteriosa, Otávio? — ele disparou de repente, como quem não quer nada.

Meu estômago deu um nó na hora. Lucas sabia muito bem que aquele assunto era complicado, mas ainda assim, trouxe à tona na frente dos nossos pais.

Minha mãe parou no meio do movimento de passar o prato, o olhar fixo em mim. Meu pai, que estava prestes a beber um gole de vinho, congelou a taça no ar.

— Hóspede? — minha mãe perguntou, com a voz carregada de curiosidade. — Que hóspede, Otávio?

Tentei pensar rápido. Não era o momento de explicar a situação toda sobre a Lívia, sobre como ela acabou morando na minha casa. Mas, agora que o assunto estava na mesa, seria difícil evitar.

— Uma pessoa que estou ajudando temporariamente. — respondi, tentando soar casual, embora soubesse que isso não satisfaria a curiosidade deles.

— Temporariamente? — meu pai questionou, arqueando as sobrancelhas. — Desde quando você abriga pessoas em casa, Otávio? Isso não é muito do seu feitio.

— É uma situação atípica. — eu disse, tentando não entrar em detalhes. — Ela passou por uns problemas, e eu decidi ajudar até que consiga se estabilizar.

Lucas, com um sorriso que quase beirava a malícia, não se conteve:

— Ah, irmão, que coração grande o seu! E eu que pensei que você só se importava com números e contratos. Quem diria que se tornaria um verdadeiro Samaritano?

Eu senti o sangue ferver. Lucas sabia exatamente o que estava fazendo. Ele queria me deixar desconfortável, queria que eu perdesse a calma na frente dos nossos pais. Respirei fundo, tentando manter a compostura.

— Estou apenas fazendo o que acho certo, Lucas. — retruquei, tentando não demonstrar o quanto aquilo me irritava.

— E ela é bonita? — Minha mãe soltou a pergunta de repente, com uma inocência que só ela poderia ter, mas que me pegou totalmente desprevenido.

— Mãe! — quase engasguei, não esperando por essa. — Não é sobre isso.

— Ah, não? — Lucas cutucou mais uma vez. — Porque, pelo jeito, essa "hóspede" tem mexido bastante com a sua vida, hein? Primeiro o acolhimento, agora essa defensiva... Estou começando a achar que tem mais coisa aí do que você está dizendo.

Meu pai observava em silêncio, mas era claro que estava processando tudo, tentando juntar as peças. Minha mãe, por outro lado, estava com um brilho nos olhos, típico de quando ela pressentia algo interessante.

— Otávio, você nunca trouxe uma mulher para casa desde que terminou seu último relacionamento. Quem é essa moça? — Ela insistiu, agora mais preocupada do que curiosa.

— Mãe, não é nada do que vocês estão pensando. Ela... — Comecei, mas parei. Como explicar a situação de maneira que eles entendessem sem me julgarem?

— Ela é só uma pessoa que precisa de ajuda, só isso. — conclui, sabendo que aquela explicação não seria suficiente.

— Você sabe que pode contar com a gente, não sabe? — Meu pai finalmente falou, com a voz firme. — Se está se envolvendo em algo complicado, não precisa carregar isso sozinho.

— Eu sei, pai. — Minha voz saiu mais baixa do que eu pretendia. — Mas, sinceramente, estou lidando com isso da melhor forma possível.

Lucas me encarou com um olhar de quem sabia mais do que estava dizendo. Provavelmente, ele já tinha alguma ideia do que estava acontecendo, ou pelo menos, estava imaginando coisas. E isso não me deixava confortável. Ele sempre soube onde pressionar para arrancar reações das pessoas.

O resto do almoço seguiu em um clima estranho, com meus pais lançando olhares entre si e para mim, claramente querendo saber mais, mas respeitando meu silêncio. Lucas, por outro lado, estava satisfeito com a confusão que tinha causado, mal se contendo em sua cadeira.

Quando finalmente nos levantamos da mesa, minha mãe me puxou de lado enquanto Lucas e meu pai conversavam na sala.

— Otávio, seja lá o que for, tenha cuidado. Você tem um bom coração, mas não deixe que alguém se aproveite de você.

— Não se preocupe, mãe. Sei o que estou fazendo. — Sorri para tranquilizá-la, mas por dentro, a tensão ainda queimava.

Enquanto me despedia deles e saía da casa, a voz de Lucas ainda ecoava na minha cabeça. Ele tinha plantado a semente da dúvida, nos nossos pais. E agora, eu precisava pensar em como lidar com essa situação antes que ela se tornasse ainda mais complicada.

Lucas não deixaria esse assunto morrer tão cedo. Eu conhecia bem meu irmão, e ele estaria de olho, esperando o próximo deslize. E eu, de minha parte, teria que ser mais cuidadoso do que nunca.

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