Capítulo Um - Aquele em que Flavia torce por Rosamaria.

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A gente tem um um charme especial
Todo mundo quer parar pra ver
Cada festa, cada praia, os rolês na madrugada
A alma sempre sou eu e você.

A Arena estava lotada. A final do vôlei era um dos eventos mais esperados dos jogos olímpicos, e as arquibancadas vibravam com a energia das duas torcidas. Flávia, vestida com uma jaqueta do time brasileiro – claramente maior que ela, estava entre eles. Ela não costumava ir a jogos de vôlei, mas hoje era diferente. Rosamaria, a camisa 7 que conquistou seu coração, estaria em quadra em busca da medalha.

Flávia olhava para a quadra com o coração acelerado. As mãos suavam de nervosismo enquanto ela via o time brasileiro enfrentar a equipe turca. Rosamaria era uma força em quadra, suas jogadas sempre precisas e os saques implacáveis, no entanto Flávia não conseguia deixar de notar a tensão nos olhos claros; toda a responsabilidade de levar o time a uma vitória depois da inesperada derrota contra os EUA.

O jogo era uma batalha dura, com cada ponto sendo disputado como se fosse o último. Quando o Brasil garantiu o set decisivo, num preciso bloqueio de Thaisa, assegurando a medalha de bronze, a torcida explodiu em alegria. Flávia sentiu um alívio imenso, junto com uma onda de orgulho pela namorada. Ela sabia o quanto essa medalha significava para ela. No jogo anterior, quando a loira chegou com todo o peso do mundo sob os ombros, Flávia pensou que não seria capaz de consolá-la, e que talvez, só talvez, Rosa começaria a se culpar por dias a fio.

"Que bom que estava errada", a ginasta pensou.

Rosamaria estava exausta, o corpo ainda vibrando com a adrenalina da partida. O som da torcida era ensurdecedor, mas tudo ao redor parecia distante, como se estivesse em câmera lenta. Enquanto a equipe celebrava, ela ergueu os olhos para as arquibancadas, procurando instintivamente por Flávia.

Ela a encontrou facilmente. Flávia estava ali, no meio da multidão, seus olhos brilhando com orgulho e algo a mais – um carinho que só Rosamaria reconhecia. Vê-la ali, torcendo por ela, fez o coração da jogadora bater mais forte, trazendo à tona uma onda de emoções que havia tentado conter durante todo o jogo.

À medida que caminhava em direção a Flávia, uma decisão começou a se formar em sua mente. Ao redor, repórteres e fotógrafos se aproximavam, tentando capturar o momento, fazer perguntas sobre o jogo, sobre a vitória, sobre o próximo passo da sua carreira. Eles gritavam o nome de Rosamaria, estendendo microfones e câmeras em sua direção, mas ela não deu atenção. Cada passo que dava era direcionado a Flávia, e nada mais importava.

Os gritos e o caos ao redor tornaram-se ruído de fundo quando uma nova melodia encheu a arena. A música "Alinhamento Milenar" de Jão começou a tocar, e as palavras ecoaram nos ouvidos de Rosamaria como um sussurro familiar. A letra falava de amor, conexões que transcendiam o tempo e o espaço, e naquele momento, tudo parecia fazer sentido.

Com a música embalando seus pensamentos, Rosamaria sentiu uma onda de coragem tomar conta de si.

Enquanto caminhava em direção a ginasta com o coração acelerado, flashes de memórias inundavam sua mente. Ela se lembrou da primeira vez que a viu, num evento em São Paulo, onde um simples cumprimento se transformou em uma conexão que ela não esperava. Em seguida, vieram as lembranças dos dias ensolarados na praia, onde Flávia ria de algo bobo que ela dizia, enquanto as ondas quebravam suavemente ao fundo. Houve também as noites tranquilas na cozinha, onde as duas, em momentos improvisados, preparavam uma refeição juntas, rindo e se esbarrando, suas mãos se tocando de forma casual, mas carregadas de significados. E então, as imagens delas sentadas em um bar aconchegante no Rio, com uma brisa morna balançando os cabelos de Flávia, enquanto dividiam uma cerveja e conversavam sobre os sonhos e os desafios que enfrentavam. Esses momentos comuns, mas tão preciosos, passaram como um filme diante dos olhos da maior, fazendo-a perceber o quanto amava cada pequeno detalhe da vida que compartilhavam. 

Chegando mais perto, ela podia ver a surpresa no rosto de Flávia, o modo como os olhos dela se arregalaram quando perceberam a determinação no olhar da atleta. Flávia provavelmente pensava que Rosamaria iria apenas abraçá-la, como elas faziam discretamente quando estavam em público... mas dessa vez seria diferente.

Quando Rosa finalmente chegou ao lado de Flávia, o mundo ao redor parou. Ela mal conseguia ouvir o barulho da torcida agora, concentrada apenas no rosto da ginasta. Os versos da música alinharam-se perfeitamente com os batimentos do seu coração, e naquele instante, Rosamaria soube o que tinha que fazer.

A atleta estendendo a mão para puxá-la, e Flávia, ainda um pouco atônita, permitiu que a puxasse para mais perto. A ginasta percebeu o que estava por vir e, como se o mundo tivesse parado por um minuto, diante de toda a torcida, Rosamaria segurou delicadamente o rosto de Flávia, se inclinou, trazendo os lábios para perto da orelha dela. O tempo pareceu desacelerar, e em um sussurro, sincronizado com a melodia, disse: — Você não acha?

E então, sem hesitação, ela a beijou.

Flávia ficou completamente paralisada por um segundo. O choque a atingiu com força, e ela não conseguia acreditar no que estava acontecendo. Ali, diante de milhares de pessoas, Rosamaria estava tornando público o que elas haviam mantido em segredo por tanto tempo. Flávia não sabia como reagir, mas ao sentir o calor dos lábios da namorada, algo dentro dela se acalmou. A música, a torcida, o caos ao redor, tudo desapareceu, e o mundo parecia se resumir àquele beijo. 

Ambas permitiram se perder naquele momento.

Flávia e Rosamaria tinham um relacionamento há alguns meses. Elas se conheceram em um evento esportivo em São Paulo, onde a conexão foi imediata. Apesar da diferença nas modalidades esportivas e na rotina de treinos, elas encontraram conforto e compreensão uma na outra, criando um laço que rapidamente se transformou em algo mais profundo.

No entanto, o relacionamento era mantido em segredo. Ambas tinham carreiras públicas e sabiam que, em um mundo onde cada movimento era analisado, a privacidade era um luxo. As duas concordaram em manter o namoro apenas entre elas e os amigos mais próximos, pelo menos até sentirem que estavam prontas para enfrentar a curiosidade e, possivelmente, o julgamento das pessoas.

Rosamaria era naturalmente reservada. A ideia de expor algo tão íntimo a assustava, mas, ao mesmo tempo, ela entendia que o amor que compartilhava com Flávia era algo especial, algo que não deveria ser escondido por medo. Mesmo assim, elas mantinham o relacionamento longe dos holofotes, encontrando momentos de paz em suas rotinas agitadas, nos pequenos encontros após os treinos, nas noites discretas em casa, e nas mensagens carinhosas trocadas ao longo do dia.

Por isso, quando Rosamaria correu em sua direção após a vitória na final, Flávia não esperava nada além de um abraço comemorativo, talvez uma troca de olhares significativa, mas o que aconteceu foi muito além do que ela imaginava.

Quando finalmente se afastaram, Rosamaria manteve a testa encostada na de Flávia, os olhos fechados, como se estivesse absorvendo o momento. 

— Eu precisava fazer isso — sussurrou, abrindo os olhos para encontrar os de Flávia. — Não consigo mais esconder o que sinto por você.

Flávia, ainda atônita, soltou uma risada nervosa, mas cheia de felicidade. — Eu não esperava por isso — disse, o sorriso crescendo em seus lábios. —... mas tô feliz que tenha acontecido.

O choque que percorreu o corpo de Flávia não era apenas pelo fato de ser beijada em público, mas a intensidade do gesto, o significado que aquilo carregava. Era como se Rosamaria estivesse declarando ao mundo o que elas mantinham em segredo há tanto tempo. Flávia sentiu o coração disparar, não de nervosismo, mas de uma alegria inesperada, uma sensação de liberdade que a deixou sem palavras.

Flávia ainda estava processando tudo, mas uma parte dela se sentiu incrivelmente grata. Grata por ter alguém como Rosamaria, que a amava o suficiente para quebrar a barreira do medo, para mostrar ao mundo que elas estavam juntas, independente de qualquer julgamento. E naquele momento, Flávia percebeu que, mesmo que tivessem mais desafios pela frente, ela estava pronta para enfrentar tudo ao lado de Rosamaria.

Elas trocaram um sorriso cúmplice, um que carregava a promessa de que, dali em diante, enfrentariam tudo juntas, sem se esconder. O mundo ao redor pode ter se agitado, mas naquele instante, para elas, só existia o calor daquele momento, o eco da música de fundo e a certeza de que o amor delas era forte o suficiente para encarar qualquer coisa.

E ali, em meio à celebração da medalha, Flávia e Rosamaria ficaram lado a lado, aproveitando aquele momento e ignorando o burburinho dos repórteres que, sem dúvida, estavam capturando o momento. Naquele dia, não foi apenas uma vitória esportiva que foi comemorada, mas também a vitória de um amor que nasceu e floresceu no meio da competição, da pressão e dos desafios que a vida no esporte traz.

Diário de Dois Corpos (Flavia Saraiva x Rosamaria)Onde histórias criam vida. Descubra agora