1 - Quando as Flores Caem

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23 DE MARÇO DE 2003
Outono. Simplesmente a melhor estação do ano.
O tempo em que as folhas secas começam a ficar alaranjadas, o tempo em que o clima úmido começa a se espalhar, O clima perfeito para uma boa pincelada em uma tela.
Infelizmente, não posso dizer o mesmo para o meu amigo e parceiro de estudos - Thomas odeia este clima - como ele diz, o ar é muito seco, tem muito vento, e por isso, ele acaba ficando gripado, tendo que faltar na Escola de Música. Coisa que ele odeia.
Nos finais de semana, nós sempre vamos para o parque Central, lá, fazemos piquenique e à tarde eu pinto a paisagem ao meu redor e Thomas toca seu violão, a música com o som do vento tocando as folhas forma uma sintonia agradável, gerando uma tarde calma e bastante produtiva.
Já os dias da semana não tem muita novidade: trabalho, curso, estudos. E continua assim até Sexta. Algo bem monótono e entendiante, mesmo assim, eu tento concentrar Cem por Cento do meu tempo nos estudos. É importante pra mim. E como esperado, Thomas nunca ligou pra isso.
Março chegou e com ele a semana de provas, por isso, estou estudando mais que o normal. Ultimamente não tenho tido tempo pra me divertir, Não saio mais com Thomas como antes. Os finais de semana são usados para estudos, e o tempo restante eu uso para trabalho e conhecimentos gerais. E Já faz dois dias que Thomas e eu não nos encontramos. ( Tirando a parte que ele sempre acaba vindo pra minha casa) Enfim, estudar é chato. Mas é preciso né?
O meu quarto é vazio e silencioso, com uma cama de solteiro, um guarda roupa básico e uma mesa recostada na parede com uma cadeira, onde estou sentada. Não é lá muitas coisas, mas é o que eu consigo, por enquanto.

Meu celular vibra e me tira dos meus devaneios. eu estico meu braço e pego-o sobre a mesa.
Meus olhos rolam e se fixam na notificação de mensagem, que veio do Thomas.

"Oi Mia, você.. tá estudando ainda?"

Suspiro. Hoje é o terceiro dia que eu não vejo Thomas, ele deve estar sentindo minha falta, é claro. Ele é tão carente.

"Por que você quer saber? Tô estudando" Eu respondo.

Eu desligo meu celular e volto ao meu livro de Matemática.

— O quadrado da Hipotenusa é igual a soma dos quadrados dos... catetos — eu sussurro, lendo o enunciado — Fácil.. — Digo, começando a fazer os exercícios que se pede.

O telefone vibra de novo. Eu solto meu lápis e pego meu celular rapidamente.

— O que ele quer agora? — eu reviro os olhos abrindo a notificação.

" Ah cara, como você é grossa, não sei como eu te aguento!" Thomas escreveu.

Meus lábios dão um discreto sorriso de lado involuntariamente, mas antes que eu pudesse escrever, Thomas envia outra mensagem, dizendo:

"Não me xinga, tô brincando, tô brincando!
(Ou não)".

Eu leio a mensagem e bufo frustrada, sim, eu ia xingar ele.

"Ainda bem que você sabe, agora me diga o que você quer". 

Eu deito minha cabeça sobre a mesa com o celular na minha frente, esperando sua resposta, que é enviada logo depois.

" Eu acho melhor você ir ver sua janela"

Depois disso ele ficou offline.

Olho para minha janela, que parecia intacta. Eu me levanto e caminho até ela, quando chego bem perto, um barulho me assusta e eu dou alguns passos para trás.

— Mas o que?! — eu noto pedrinhas sendo atiradas no vidro da minha janela, o que por consequência fazia aquele barulho irritante. — Ah ele vai ver!

Eu abro a janela e olho para baixo, fitando o rosto de Thomas com aquela cara de bobo com três pedrinhas na mão direita. Antes que ele pudesse jogar outra, seus olhos encontram os meus, e seus lábios se transformam em um largo sorriso. Em seguida, ele joga as pedrinhas no chão, ainda com os olhos fixos nos meus.
Eu sorrio.

— Esse vidro é novo! Se quebrasse você ia pagar outro! — Eu grito ainda sorrindo.

— Tudo bem! Eu pago! — Ele grita de volta. — Agora, desce aqui! Você tá trancada nesse quarto o dia todo! — ele coloca as mãos na cintura enquanto apoia o peso do corpo em uma perna, parecendo uma criancinha inocente.

Naquela hora eu não tive coragem de admitir, mas ele estava tão fofo, o sol batia e iluminava seus cabelos bagunçados, suas bochechas estavam bastante rosadas, como se ele tivesse corrido muito, e seu sorriso de orelha a orelha era o mais sincero que eu já havia visto. Em certo momento, a luz do sol atingiu o ponto perfeito em seu rosto, e seus olhos brilharam para mim, a cor azul incendiou o meu, e por alguns segundos eu vi um garoto feliz, vivendo no seu próprio mundo. O mundo que...
Eu queria fazer parte.

— Você sabe que eu não posso! Eu tô estudando!

— Eu sei! Por isso tô falando pra você vir se divertir um pouco! — ele gesticula com as mãos, me fazendo rir — você não vai me deixar aqui esperando né? Mia!

— Eu tenho prova semana que vem! — eu coloco as mãos na janela, ousando fecha-la. Mas de verdade, minha vontade era de largar tudo, esquecer as provas, os estudos e a escola. Eu queria viver livremente, sem medo, sem limites. Mas  não posso. Esse é meu maior problema: Não ser egoísta.

— Mia! Não faz isso calma, espera! — ele coloca o dedo indicador nos lábios parecendo pensativo, depois ele olha pra mim — Mia, se você vir, eu não vou te perturbar mais! Eu prometo! — ele ficou de joelhos no chão, fazendo algo semelhante à uma careta. — Prometo com minha alma!

Meus olhos se arregalaram, ele queria mesmo que eu fosse, diante dessa situação, meu orgulho falou mais alto, por isso eu só tinha uma coisa a se fazer:

— Desculpa!

Eu fechei a janela e corri para fora de casa, desci as escadas trotando e quando abri a porta, Lá estava ele, se preparando para tacar mais pedrinhas.

— Quem disse que pode tacar pedra no vidro dos outros? — eu disse, com os braços cruzados.

Thomas olhou pra mim e se levantou lentamente.

— Que foi? — Eu coloquei uma mecha do meu cabelo atrás da orelha, olhando pro lado quando, inesperadamente, Thomas jogou uma pedra do tamanho de uma ervilha em mim, que me pegou desprevenida. — Que isso? Por que você fez isso?!

— Porque você é irritante  — ele joga mais duas pedrinhas em mim.

— O que você disse?! — bati o pé no chão, esperando sua reação.

— Isso mesmo que você ouviu, c-h-a-t-a. — ele soletrou deixando escapar sua risada.

— agora você vai ver! — eu grito sorrindo.

Ele começou a fugir e eu tornei a correr atrás dele, nossos corações batendo juntos com a adrenalina, o sol iluminando nosso caminho enquanto o vento jogava nossos cabelos para trás, nossas risadas ecoavam pela vizinhança, as pessoas nos observavam, outras criticavam, algumas pareciam surpresas, mas naquela hora, eu só olhava para uma pessoa: Thomas. naquela hora, só existia eu e ele, e nada mais. Naquela hora, eu senti que o mundo era nosso, e só nosso.

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