Rabiscado No Verso

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- Porra, Denilson! - grito quando pela quinta vez, a ligação cai na caixa postal.

- Olha a boca que estamos dentro de uma igreja! - mamãe me repreende, olhando-me de cara fechada como se eu fosse uma adolescente birrenta. Estamos na sacristia desde que cheguei e não detectei a presença de meu padrinho, eu não me casaria sem ele aqui.

- Será que aconteceu alguma coisa com ele? - indago pesarosa, ignorando a reprimenda recebida. - Ele não me atende! - exclamo preocupada com seu repentino desaparecimento, segurando as lágrimas para não borrar a maquiagem.

- Calma, meu amor! - ela se aproxima de mim e toca meu rosto maternalmente. - Tenho certeza que ele já deve estar a caminho. - mais uma vez, dona Vânia tenta me tranquilizar, no entanto é uma tentativa falha.

- Vou mandar mensagem! - digo desvencilhando-me dela e rapidamente começo a digitar as palavras, como se elas fossem trazê-lo num passe de mágica.

"Denilson, cadê você?"

"Aconteceu alguma coisa?"

"Por favor, me retorna!"

"Tô ficando preocupada!"

"Preciso de você, meu Sol!"

A última frase, envio como uma súplica, talvez assim, meu querido melhor amigo, sentisse remorso e viesse em meu apuro. Deus, porque ele tinha que sumir logo agora? Logo hoje que seria o dia mais importante da minha vida? Presto atenção no verbo "ser" e na sua conjugação no futuro do pretérito. Eu não devia tê-lo usado neste tempo verbal, mas sim no indicativo do presente.

A verdade é que não estou nem um pouco feliz com esse casamento, e pergunto-me porque deixei isso chegar tão longe. É claro que tenho afeto por meu futuro marido, no entanto, não o amo. Meu coração não o aceita por já estar preenchido totalmente com a figura do homem por quem tenho um amor incondicional. Desde que me conheço por gente, Denilson tem seu espaço dentro de mim, primeiramente, como meu amigo-irmão e, com o passar do tempo, mais precisamente no início de nossa adolescência, como a paixão platônica por quem eu suspirava todos os dias.

Eu devia ter me declarado a muito tempo, mas nossa amizade era mais importante, pelo menos era o que eu dizia a mim mesma. Posso confessar que existia também o medo da rejeição, de que ele não sentisse o mesmo amor que rasga meu peito. Vivemos longos anos nossa cumplicidade fraternal, um apoiando o outro nos mais diversos desafios da vida. Denilson era meu protetor, meu guardião, meu anjo amigo. Era minha luz no fim do túnel, meu amanhecer e pôr-do-sol, minha paisagem favorita nesse planeta.

- Você tem certeza que realmente quer esse casamento? - o questionamento de minha mãe é um soco no estômago.

Eu via que ela sempre quisera me fazer essa pergunta, mas a falsa determinação que eu fingia aparentar, a fez recuar durante os três meses de preparativos deste enlace. Engulo a seco, queria gritar que o homem que deveria estar esperando-me no altar era outro. Que meu coração era devoto de um amor, que ao meu ver, era impossível. Sim, a palavra era essa: impossível! O motivo? Meu Sol ignorou minha declaração, rabiscada no verso do convite de casamento que lhe entreguei pessoalmente. Ele não me amava, esta foi a razão para continuar com essa loucura.

- Sim? - respondo como uma pergunta, expressando uma reação incerta. Na verdade era para ser uma afirmação, no entanto, a insegurança e frustração não me deixaram responder com certeza. Mamãe suspira e novamente segura minhas mãos, mirando-me com todo o seu amor materno e compreensível.

- Minha filha, não faça isso só porque acha que vai ficar sozinha a vida toda. - tento rebatê-la, contudo, seu olhar inquisidor não me deixa continuar. - Ainda mais porque nós duas sabemos que seu coração não pertence ao Carlos. - certeira como sempre, mas não quero dar-lhe a razão, pois sei que demoverei da decisão de me casar. - Ele é um bom homem, mas não é para você!

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