Capítulo Único

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Ser mulher no ambiente do futebol sempre foi um desafio extra para qualquer atleta, seja num time grande, seja num de menor expressão. Eu não era diferente disso, quando decidi que o futebol seria minha carreira tive que arcar com muitas responsabilidades que vieram junto, precisei abrir mão de muitas coisas. Enquanto meus amigos estavam em festas, eu dormia cedo para poder treinar no dia seguinte, enquanto elas se preocupavam apenas com as provas da escola, eu treinava a tarde toda porque queria passar nas peneiras dos times importantes da capital de São Paulo. Durante algum tempo eu fui o verdadeiro estereótipo da menina que jogava futebol, eu era "uma dos caras", a que jogava com os meninos no horário do intervalo, a que era amiga só deles, pois era mais verdadeiros e honestos ao passo que as meninas eram fúteis de mais.

Uma verdadeira besteira!

Com 18 anos percebi que perdi muito tempo com esse pensamento, não sabia fazer uma maquiagem decente, não sabia qual o melhor xampu usar para o meu tipo de cabelo, e o principal, não tinha uma verdadeira irmandade quando precisei lidar com meu namorado abusivo. Mas nem tudo isso, nem a minha pouca vontade em ouvir mulheres falarem sobre garotos ou maquiagem na adolescência impediu que essas mesmas mulheres estivessem ao meu lado quando precisei, e por isso eu sou muito grata.

Era muito bom saber que tinha passado por esses desafios e eu ainda estava viva e acreditava no meu próprio potencial. Se eu olhasse para trás conseguia ver meus feitos durante todo esse tempo de carreira, no meu currículo tinha medalhas olímpicas, títulos em times importantes na Europa, mas pela primeira vez na vida eu estou nervosa, em alguns segundos eu me apresentarei para os poucos jornalistas que se importam com o futebol feminino no clube que eu sempre torci. A diretora de futebol menina fala sobre os projetos do clube para esse ano, fala da importância de ter grandes nomes no elenco e depois de alguns minutos ela me chama. Alguns flashes disparam em minha direção, eu sorrio para os jornalistas e me sento no lugar que foi destinado a mim.

A primeira pergunta é feita e respondo prontamente, logo vem a segunda, a terceira, até que uma jornalista no final da sala de imprensa pega o microfone com cuidado e me analisa alguns segundos antes de questionar numa voz calma.

— O que espera para esse ano, Camila? O time feminino ainda está em formação, qual é o objetivo quando escolhe o São Paulo?

Suspiro antes de responder de forma que possa organizar meus pensamentos. Poderia dizer que sinto falta de morar no Brasil, que novos desafios é o que sempre me move, mas ao invés disso decido ser sincera.

— É o meu time do coração.

As perguntas da breve coletiva logo termina, a diretora de futebol me estende a camisa 9 e é a primeira vez que coloco no meu corpo de forma oficial. É uma sensação boa, mais flashes distam em minha direção e dessa vez meu sorriso parece maior.

Diana, a diretora de futebol então me apresenta o clube que seria minha casa pelos próximos dois anos. Não era estranho perceber que a maioria da estrutura era feita pensada no futebol masculino, mas não tinha muitos motivos para reclamar.

— Estamos resolvendo algumas questões estruturais. — Diana diz com um sorriso tímido no rosto. — Durante as próximas semanas vamos dividir o Centro de Treinamento com o time masculino, então vamos ter alguns horários específicos.

Aceno concordando. Não era o ideal. Definitivamente não era o ideal. Continuo meu tour guiado pelo clube e por conta do horário só tinha a comissão técnica do clube, a maioria eu já conhecia, a técnica Glória tinha sido minha técnica no Folha Verde, um time do interior de São Paulo que foi onde comecei, os outros auxiliares também trabalharam na seleção brasileira então pelo menos com isso eu já estava bem familiarizada. Acompanho o treino do time masculino sentada em uma arquibancada pequena do campo principal. Glória ao meu lado fazia anotações em uma espécie de prancheta, seu auxiliar me diz que o treino começaria em 1 hora. Fico boa parte desse tempo escutando o treinador gritar no campo enquanto gere treinos específicos, boa parte daquele time tinha ganhado o único título que faltava para o clube no ano anterior e eles não sabiam o quanto eu tinha gritado com a televisão de casa no jogo do título.

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