Capítulo 1: Um caminho sem volta

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Pov: Ágatha Sá

Eu sempre achei que a vida era uma sequência de escolhas, mas, olhando para trás, talvez eu tenha superestimado o poder do livre-arbítrio. Porque, às vezes, a gente simplesmente é sugado por um redemoinho de acontecimentos, e tudo que resta é tentar manter a cabeça acima da água. Meu nome é Ágatha Sá e eu sou pediatra. Passei anos acreditando que minha função era curar, salvar vidas. Nunca imaginei que um dia eu me veria presa em um mundo que só conhecia pelos noticiários: o tráfico de drogas.

Era uma tarde abafada no hospital quando tudo começou. A unidade de emergência estava lotada, como de costume. As mães ansiosas preenchiam as cadeiras da sala de espera, segurando crianças com febres altas ou tosse persistente. Eu tinha acabado de atender meu décimo paciente quando a enfermeira Marisa entrou na sala, o rosto pálido de nervosismo.

— Dra. Ágatha, temos uma emergência. – Ela murmurou, o olhar fugindo do meu. – É... é o filho do Ret.

O ar pareceu desaparecer dos meus pulmões por um segundo. Filipe Ret. Eu conhecia o nome e o peso que ele carregava na cidade. O maior traficante do Rio de Janeiro, um homem cujo nome soava como uma sentença de morte para quem cruzasse seu caminho. Mas ele era também um pai, e agora, o destino havia colocado seu filho nas minhas mãos.

— O que aconteceu? – Perguntei, tentando manter a voz firme.

— Ele foi baleado. Está estável, mas precisamos de você para avaliar a situação. O Ret está lá fora, esperando. – As palavras saíram rápidas, como se ela quisesse se livrar logo do aviso.

Engoli em seco e peguei minha prancheta. Era só mais uma criança, eu repetia para mim mesma enquanto caminhava pelo corredor. Mais um pequeno paciente que precisava de ajuda. Mas, no fundo, eu sabia que não era bem assim.O menino, de uns seis ou sete anos, estava deitado na maca. Pequeno demais, frágil demais para o que tinha acontecido com ele. Seu rosto estava lívido, os olhos abertos, assustados. Um tiro de raspão na perna esquerda, segundo o relatório. Nada que colocasse a vida em risco imediato, mas, mesmo assim, terrível.

— Oi, campeão. – Sussurrei, forçando um sorriso encorajador. – Vamos dar uma olhada nisso, tudo bem?

Ele assentiu, os olhos marejados de lágrimas. Eu me abaixei para examinar a ferida, tentando não pensar em como cada movimento meu era observado pelo pai do garoto, que estava do outro lado da porta. Quando terminei de fazer os primeiros curativos, respirei fundo e saí para encontrar o homem que todos temiam. Filipe Ret estava lá, apoiado na parede, de braços cruzados. Era alto, com uma presença intimidadora, mas o que me pegou de surpresa foram seus olhos. Eles não eram frios e calculistas como eu esperava; eram cheios de uma preocupação genuína.

— Como ele está? – A voz grave soou mais suave do que eu esperava, carregada de uma urgência que era difícil ignorar.

— Vai ficar bem. – Respondi, mantendo meu tom profissional. – O ferimento não é profundo. Vamos monitorá-lo por algumas horas, mas ele deve se recuperar sem complicações.

Ele assentiu, os ombros relaxando levemente. Por um momento, fiquei sem saber o que dizer. Aquela figura que simbolizava tanto medo e poder estava ali, diante de mim, simplesmente como um pai, preocupado com o filho.

— Obrigado. – Ele murmurou, e então, fez uma pausa, como se estivesse lutando contra as próprias palavras. – Ele é tudo pra mim.

Não soube como responder. Apenas assenti e voltei para dentro. Mas aquele momento ficou comigo. Eu sabia que deveria ter medo, deveria me afastar. Mas algo naqueles olhos, na forma como ele olhava para o filho... aquilo me deixou inquieta.

O olhar dele, aquele agradecimento silencioso, a vulnerabilidade escondida sob a fachada de durão... Tudo isso foi me puxando, lentamente, para um lugar de onde eu não sabia se conseguiria sair ilesa. Na minha ingenuidade, eu achava que poderia me aproximar, ajudar e sair sem me queimar.

Mas estava enganada. É só descobri isso quando já era tarde demais.

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⏰ Última atualização: Sep 29 ⏰

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