[ 01:43]
Era uma noite fria.
"Aquilo", aparece atrás da multidão, que murmuravam e observavam o trágico acidente. "Aquilo", olha para os lados atentamente, à procura de sua nova responsabilidade, e ao observar o lugar, nota que, sua recém-alma chegada estava se afastando à um rumo desconhecido. "Aquilo", segue-a, em busca de levá-la ao sono eterno.
[ 01:37]
Ainda humano, ainda vivoEstava comemorando meu vigésimo segundo aniversário sozinho. Não porque queria, e sim porque não tinha com quem comemorar. Afastei todos, e não consegui conversar com mais ninguém. Mesmo imaginando e ensaiando várias vezes, para que eu pudesse um dia falar, deixei o silêncio absoluto ser maior, enquanto o som da minha voz desaprende a produzir palavras.
Andando pelas ruas, enquanto me distraia com minha viciante bebida, (da qual não me lembro da marca por não ser lá daquelas memoráveis), percebo que minha carteira caiu. E depois de tentar pegar a carteira, notei que estava mais bêbado do que imaginei, e não vi as luzes ofuscando minha sensível visão. Fazendo-me fechar os olhos.
Não me lembro da sensação de ter o corpo jogado por ter sido atingido por um carro, mas foi uma experiência... Digamos que.. memorável.
Lembro da sensação de levantar e já não sentir o "peso" que sentia antes.
Todos os dias, eu vivia com um "peso". Não de culpa, tristeza ou arrependimento. Mas sim, de ser humano. O peso de preocupações fúteis, sentimentos que normalmente um humano consegue guardar para dentro de si mesmo, como se fossem um problema expor eles, foram embora. Mais rápido do que a velocidade do carro que me atingiu.Percebi que, os humanos tendem a começar a viver apenas quando estão no fim da sua vida. E mais do que tudo naquele momento, em que percebi que estava morto, era que eu queria poder viver mais uma vez.
Depois de perceber que já era tarde demais, passei por todos aqueles que olhavam para o meu corpo. Antes trêmulo, agora rígido, antes quente, agora frio, antes seco, agora molhado pelo líquido avermelhado que saía daquele corpo, antes vivo. Agora, morto. Fui caminhando sem rumo, chegando em um parque. Com a vista da bela noite, que se formava com a iluminação da lua cheia.
Não havia ninguém naquele lugar.
A sensação de estar em um lugar como aquele, onde de dia seria capaz de ouvir os gritos das crianças brincando e decidindo quem iria primeiro no escorrega, e à noite, a única coisa que consigo escutar são meus pensamentos, dúvidas, e memórias. Era uma sensação vazia e turbulenta ao mesmo tempo.Estou sentado em um balanço, no planeta Terra, mas viajando em um mundo muito diferente na minha cabeça. Estou perdido demais com meus pensamentos, mas não o suficiente para não perceber o "ser", (que imagino ter uns 2 metros de altura), se aproximando de mim.
"Ele", se senta no balanço ao meu lado, sem dizer uma única palavra ( se é que consegue dizer alguma).Estava observando essa "criatura misteriosa", enquanto "ela" olhava para frente. Parecendo ver, mesmo com os olhos fechados. E junto com o vento frio da noite, eu finalmente abro a boca e lhe pergunto:
-o que veio fazer aqui?.. Me matar? - pergunto dando um pequeno sorriso, que mais expressa o vazio que sinto, do que qualquer outro sentimento que poderia demonstrar. Continuo olhando para o chão, esperando uma resposta.
"Você já está morto, pequeno humano.." - Sua voz sai em um tom suave, baixo e calmo.
Me surpreende "ela" ter me respondido, ( ou o fato "daquilo" não precisar abrir a boca para falar... Por que me impressiono apenas com isso? Essa "coisa" nem humana é. Que idiota).
Sua voz soou para mim como o som das ondas do mar, em uma noite calma. Me faz querer ouvir mais...-O que.... você é?.. - questiono, meio receoso pela resposta da pergunta que acabei de fazer.
"Aquilo", demora um tempo para me responder. Tempo suficiente para que eu, me questione. Se realmente deveria ter perguntado, ou se foi muito ofensivo. E com meus pensamentos a mil, eu ouço:
"Sou o caminho das almas que vagam perdidas. O ouvinte que nunca esquece de suas palavras, ou segredos. Sou aquilo que vocês temem. Sou o fim da vida. Ou como vocês me chamam, "Morte". "
Após essa resposta, desvio meu olhar do chão e passo a observar melhor a....Morte.
Seu tamanho é bem maior que a de um humano e pode ser um pouco assustador. Seu rosto branco e seus olhos fechados fazem-no parecer ter uma máscara, escondendo sua verdadeira face. Suas vestimentas parecem ser um tipo de manta preta, que cobre todo seu corpo. Junto a um capuz que esconde seu pálido rosto. Sua voz é calma, como se cada vez que eu ouvisse ela, me tornasse capaz de adormecer. Como se fosse o anestésico mais forte que já senti.
É... como se eu me tornasse um garotinho de novo. Após alguns minutos, pergunto:-Você...ligaria, se eu gastasse seu tempo com o meu passado nada tão.. fascinante? - pergunto meio tímido, enquanto mexo meus dedos.
"O tempo é ilimitado." - Diz direto e certo de suas próprias palavras.
-Certo. Hm.. Bom, não sou bom com palavras, então... - Coloco a mão na nuca enquanto sorrio e penso sobre quais coisas eu deveria dizer. O que 'eu' queria que a morte lembrasse sobre mim.
Contei que, dês do início da minha vida, sempre foi solitário. Nunca tive tantos amigos, e os que tinha não duravam tanto tempo. Meus pais não eram próximos um do outro, e isso trouxe muitos problemas. Me senti aliviado quando aquele relacionamento finalmente terminou. Mas com isso, também vieram consequências.
A consequência foi o afastamento dos dois na minha vida. Eles não queriam saber um do outro, e também não se importavam com o que acontecia na minha vida. Estavam ocupados demais falando mal um do outro.Minha vida foi bem entediante. Mas após sair de casa e passar a morar sozinho, (além de ter muito tempo livre), passei a me conhecer mais, e descobrir coisas novas todo dia. Saindo e explorando, criando novas lembranças com ou sem outros ao meu redor. Isso parece triste para outras pessoas, mas para mim, era libertador ser quem eu era para todos. Porque após uma semana, essas pessoas já nem se lembrariam do meu nome. E eu poderia conhecer novas pessoas todo dia, e não precisaria me sentir na obrigação de fingir ser outro... alguém para me "encaixar" no padrão da sociedade.
Termino de falar sobre minha vida entediante e vejo que *ela* apenas me olhava, e eu sentia toda a sua atenção em mim.
Depois de anos, alguém (ou algo), finalmente me ouviu. Sem defeitos ou falhas apontadas sobre mim e minha forma de pensar.Ouço o ranger do balanço ao meu lado, e "ela" estava de pé.
Observei a lua à nossa frente mais uma vez e perguntei:-Para onde vou?.. - pergunto esperando a resposta ser a solução das minhas dúvidas.
"A um lugar inimaginável para você, pequeno humano." - Diz enquanto observa a lua ao meu lado.
Ri do jeito como as palavras que saiam "daquele ser" conseguiam ser tão enigmáticos.
-Não consegue ser... menos misterioso em suas respostas? Pergunto, enquanto me divirto pensando na próxima resposta misteriosa quase poética que "Aquilo" falaria.
"Creio que já está na hora." - Diz em um tom calmo.
-Eu...Não. Não quero que isso acabe agora. - Digo com palavras que saem confusas.
"Está na hora." - Responde, agora observando o humano.
-Eu não quero! Não agora. Quero poder ver vários lugares. Poder conseguir falar e expressar meus sentimentos com palavras, assim como fiz... falando com você. - Respondo em um tom alto e desesperado, para que "Aquilo" consiga compreender meu pedido.
"Ela" observa-o. Como se esperasse uma resposta clara.
-Quero poder...criar memórias. Que me tragam felicidade quando lembrar delas, poder sorrir de novo enquanto ouço...suas respostas misteriosas. - Respiro fundo antes de fazer um pedido sem volta.
Eu olho para "o ser" na minha frente, e com os olhos marejados. Pensando negativo, que ela irá rejeitar meu pedido, e terminar minha existência com apenas um toque delicado de seus dedos em minha pele.
-Quero poder viver mesmo não estando vivo. Aproveitando o tempo que já não corre de mim.
Quero viver mesmo estando morto, criar lembranças novas, mesmo que tenha que perder as antigas. Quero aproveitar cada nova experiência da minha existência a um passo do fim...com a "Morte".
Quero ver a beleza que a vida esconde sobre a morte, conhecer tudo que foi criado ou destruído pelas suas mãos. Quero ver aquilo que nós tememos, mas que nos faz apreciar nosso curto período na terra. Quero passar o resto desse tempo ilimitado ao seu lado, "Minha bela Morte".
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Minha Bela Morte (NOME PROVISÓRIO)
FantasyVocê já imaginou o que há após o fim da sua vida? Bom, eu posso te responder. Diferente do que muitos pensam, o fim não é realmente o fim. Ele é apenas o começo de uma nova experiência ilimitada do tempo. Muitos culpam os outros, ou até a si mesmos...