Prólogo

52 12 1
                                    

Yuuji   

QUATORZE ANOS DE IDADE… 

Eu nunca vi meu irmão chorar. 

Nem uma vez em onze anos. 

Ele é apenas alguns meses mais velho que eu, mas ele sempre foi o mais forte. É ele que me protege dos valentões da escola, aquele que segura meus ouvidos no escuro quando os gritos ficam muito altos, aquele que leva as surras diárias para que eu não precise. 

Ele é uma das duas únicas pessoas no mundo que já se importaram comigo. 

E agora ele é o único que me resta. 

Minhas lágrimas escorrem pelo meu rosto e olho para a pequena cicatriz desbotada no interior da minha mão esquerda, lentamente arrastando minha unha do polegar sobre o local. Eu me cortei em uma árvore na floresta quando eu tinha dez anos e doeu como o inferno. Meu irmão me trouxe para casa para limpá-la e me segurou enquanto eu chorava, então ele pegou uma faca da gaveta da cozinha e se cortou com ela, fez exatamente a mesma cicatriz que a minha só para me fazer sentir melhor. Lembrar disso geralmente me ajuda a lidar com momentos como esses, mas não está funcionando agora. 

Nada está funcionando.

Meu coração parece que está preso na minha garganta e não posso... 

— Respire, Yuuji  , — Choso sussurra em meu ouvido, seus braços em volta de mim em um aperto forte que provavelmente machucaria se eu não precisasse tanto dele. — Para dentro e para fora, longo e profundo, de novo e de novo, lembra? Copie-me.  

Aceno e aperto seu capuz com as duas mãos, tentando desesperadamente não ter um ataque de pânico na frente de todas essas pessoas. É no meio da noite e nossa casa está cheia de policiais, as luzes azuis e vermelhas piscando nos cegando pelas janelas do outro lado da pequena sala de estar. Há uma foto de nossa mãe na mesa lateral no canto, tirada por nosso pai na última vez que fomos para a cabana no fim de semana. Ela era pálida e magra como eu, com longos cabelos negros com os quais ela costumava me deixar brincar quando papai não estava em casa. O sorriso dela parece falso na foto - assim como era na maioria das vezes - mas sei que ela sempre fez o seu melhor para fingir para nós. 

Ela nos fez jantar e assistiu a um filme conosco antes de irmos para a cama esta noite, apenas para ser levada para fora em um saco de cadáver algumas horas depois. 

Morta. 

Aqui um minuto e foi-se no próximo. 

Nosso pai está dizendo a eles que ela foi morta por um homem com uma máscara, um que invadiu nossa casa e bateu a cabeça contra o balcão da cozinha enquanto ele voltava do trabalho para casa. Ele está dizendo que o encontrou atacando-a e o perseguiu, mas depois o deixou fugir para tentar salvar sua esposa de sangrar no chão. 

Acho que ele é um mentiroso. 

Choso também pensa assim, mas não dizemos nada. Sabemos melhor do que fazer algo estúpido como isso. 

Engulo o nó na minha garganta e olho para Choso, não surpreso ao encontrá-lo olhando para a foto no canto, sua mandíbula apertada, seus olhos vidrados e injetados. Ele parece zangado, devastado e destruído pela perda de nossa mãe, mas ainda assim, ele não chora. Ele não tem um ataque de pânico. Ele não faz nada além de me segurar apertado contra seu peito, gentilmente passando o polegar sobre meu quadril sob meu moletom. Eu me concentro nisso e tento igualar sua respiração como ele me disse, para dentro e para fora, longa e profunda, de novo e de novo… 

— Choso. Yuuji  , — alguém diz baixinho, se agachando na nossa frente para colocar as mãos em nossos joelhos. 

— Meu nome é Veronica. Vocês se lembram...  

Choso arranca minha perna dela e eu levanto meus pés até seu colo, torcendo em seu aperto para tentar chegar mais perto dele. Ela sorri tristemente e levanta as mãos em sinal de rendição, tomando cuidado para não nos tocar desta vez. Ela é uma policial como nosso pai, uma mulher loira de olhos castanhos e lábios finos. Ela parece legal o suficiente, eu acho, mas só porque é seu trabalho proteger as pessoas não significa que ela realmente faz isso. 

Sabemos disso melhor do que ninguém. 

— Sinto muito por sua mãe — diz ela, mas não posso dizer se ela está falando sério ou não. — Não posso nem imaginar o que vocês dois estão passando agora, mas preciso que vocês falem comigo sobre o que vocês viram aqui esta noite...  

— Eles não viram nada, Ronnie — papai interrompe, de pé sobre nós com os braços cruzados sobre o peito, seus olhos escuros saltando entre mim e Choso. — Eles estavam lá em cima o tempo todo. Só desceram depois de eu perseguir o bastardo pela porta da frente. Certo, rapazes?  

Sua pergunta me faz estremecer e eu deixo cair minha atenção no meu colo, lembrando o que Choso me disse antes dos policiais aparecerem mais cedo esta noite. 

Temos que mentir, Yuuji

Em parte porque há uma boa chance de eles não acreditarem em nós em vez de um deles, mas também porque há uma pequena chance de eles acreditarem em nós, mandarem nosso pai para a cadeia e nos dividirem no sistema de adoção. 

Isso não pode acontecer. Não posso ficar longe de Choso, e esta é a única maneira de garantir que fiquemos juntos. 

Sabendo que não temos escolha a não ser concordar, acenamos com a cabeça e ele acena de volta com aprovação silenciosa, suas narinas se dilatando levemente ao ver os braços de Choso em volta da minha cintura. Ele não gosta quando ele me abraça assim, diz que nos faz parecer bichas, mas felizmente para nós, ele não vai dizer nada disso na frente de uma sala cheia de seus próprios amigos. 

Ele guia a loira para longe de nós e solto um soluço baixinho, deixando meu rosto cair no ombro do meu irmão. 

— Choso…  

— Eu tenho você — ele sussurra, gentilmente me balançando para frente e para trás com a mão na minha bochecha, seus lábios macios roçando a concha da minha orelha. — Você está bem. Eu tenho você. 

Choro mais forte e ele enxuga minhas lágrimas estúpidas com o polegar, então ele tira o iPod do bolso e coloca os fones de ouvido para mim. Tenho meu próprio iPod com minhas próprias músicas, mas gosto mais do dele e ele sabe disso. Sua música enche meus ouvidos e fecho meus olhos, me enrolando em uma pequena bola em seu colo. 

— Eu te amo, Choso. 

Ele me aperta com mais força e desliza seus dedos pelos meus, escondendo-os entre meu peito e o dele para garantir que papai não veja. 

— Eu também te amo, Yuuji. 






Comentem ok

Desejo |• ChoYtaOnde histórias criam vida. Descubra agora