"Lá fora, perdido em algum lugar, existe algo que busca desesperadamente por nós."
𝚄𝙼
A pior parte de não ter um celular é que o mundo inteiro age como se todos tivessem um. Ao pedalar pela rua da escola, notei de longe a baixa movimentação — para ser sincero, não havia nenhuma —. Diferente do carnaval de buzinas e carros que param em frente à fachada, a rua agora se assemelha mais a uma simples rua de bairro, onde o mais alto som que se ouve vem de um carro ou outro que circulam a cada meia hora. Meus pais sempre me dizem para evitar circular em meio aos carros, mas é quase impossível pedalar tanto na calçada quando na rua.
— There's a club if you'd like to go... — cantarolei ao me aproximar do destino.
Cruzei as faixas amarelas pintadas no asfalto e desacelerei ao subir na calçada e frear a minha bicicleta ao bicicletário de pintura azul descascada. Sem pressa, subi os degraus de concreto rachados para enfim adentrar no prédio. Se do lado de fora, tudo estava estranho, o interior estava mais ainda.
Luzes apagadas e corredores vazios. Parecia que o mundo tinha virado de ponta-cabeça naquela manhã. Pretendia avançar para mais ao fundo, quando fui alertado por um dos funcionários, o senhor Paul, de que as aulas haviam sido canceladas no dia pois a rede elétrica da escola passaria por uma revisão. Me senti o maior idiota do mundo quando tudo o que eu pude fazer foi abrir um sorriso desconcertado, concordar e me virar para ir embora. Desde quando pararam de ligar para os pais avisando que não iria ter aula no dia seguinte?
Depois de desprender o cadeado e a corrente, ajeitei o fone de ouvido frouxo em minha cabeça e me sentei no banco da minha Caloi, não tardando em iniciar o caminho de volta ao som de Depeche Mode, que acabara de começar a tocar no meu Walkman.
☁
Uma das vantagens de se estudar próximo ao centro da cidade é que o caminho se torna bem menos entediante do que o comum, apesar de frequentemente ser surpreendido com um ônibus que surgiu de repente no meu campo de visão ou um caminhão barulhento que me pega desprevenido. Quase sempre é o mesmo processo: eu saio de casa, viro algumas poucas esquinas antes de pegar a rua do centro comercial, onde estão as minhas lojas favoritas e a minha escola fica mais ou menos uma quadra à esquerda.
Das lojas do centro, sem dúvidas, a de instrumentos é a minha favorita depois da livraria, onde eu costumo comprar os meus gibis. Lá, eu poderia passar horas viajando entre os discos e CDs nas estantes. Certa vez, quase levei um rádio Boombox, mas acabei deixando para depois e nunca comprei de fato.
Até certo ponto, sigo o mesmo caminho de sempre ao entrar na rua comercial, mas em vez de virar na esquina da Chloe's Clothes e escapar do trânsito matinal, eu atravesso o cruzamento e avanço até estacionar na frente dela, a Radio n' Rock. Mesmo com um leve peso em meus ombros por estar saindo sem avisar aos meus pais, não acho que seria de todo mal dar apenas uma escapadinha. Eu mereço uma recompensa por ter perdido tempo, não?
Já sendo recebido por sinos que tocam ao abrir a porta de vidro, me deparo com uma loja confortável, nem tão vazia e nem tão cheia. Pelas laterais, estão erguidas duas enormes estantes pintadas em um verde esmeralda, que se saem bem se misturando com as paredes pretas, onde estão pendurados diversos quadros e uma enorme guitarra ao fundo, atrás do balcão. Os atendentes estão ocupados com um jovem casal que se interessaram em uma bateria, então não preciso me preocupar em apenas olhar e sair sem levar nada.
Sem hesitar, atravesso para mais ao fundo no estabelecimento, deixando para trás a seção dos instrumentos. Como eu sequer tinha dinheiro, encarar os produtos mais caros não me serviria de nada. Meus pés rapidamente se movem pelo piso de tábuas de madeira até uma prateleira catalogada como "Rock". Não me agrado quando jogam todas as bandas no mesmo baú, como se todas as músicas fossem semelhantes, mas entendo as circunstâncias.
"Kiss? Não, credo" — penso, passando a capa do disco de Destroyer para o lado. A sonoridade deles nunca fez muito o meu estilo.
Eu pensei que ficaria mais alguns longos minutos distraído no nada quando, de repente, sou surpreendido por uma jovem voz feminina vinda de trás de mim e que, pelo que parecia, estava se comunicando comigo. Não demoro a responder ao seu chamado e virar a minha cabeça em sua direção com uma expressão levemente confusa estampada em meu rosto, quase como se tivesse sido surpreendido por algum antigo colega de classe que eu não tenho certeza que se lembra de quando eu chamei a professora de "mãe".
— Perdão? — diz ela, chamando a minha atenção.
No momento em que o meu olhar se prende no dela, tudo em minha volta parece correr um pouco mais devagar. O Jazz que toca no ambiente parece distante, as conversas se tornaram ruídos sem sentido e não capto mais nada em minha visão periférica. Agora, eu só consigo memorizar a sua imagem para armazená-la em minha mente. Seus cabelos lisos que escorrem pelos ombros combinam com a franja rala apontando para os seus negros olhos estreitos, que me encaram com uma pacífica indiferença. O fone pendurado no seu pescoço se parece com o meu, mas não tão antigos quanto. Em silêncio, deixo um suspiro que mais se parece com um ruído estático de uma TV antiga, sair pela minha boca. Me sinto um idiota, antes de respondê-la.
— Sim? — digo, abaixando os meus fones e quebrando o meu silêncio patético.
— Você trabalha aqui? Eu queria saber se aqui tem mais desses aqui. — Os indicadores da sua mão direita se movem até a capa de plástico de um dos DVDs.
— Ah, quem me dera. Seria um sonho trabalhar nesse lugar — digo, enfim me dando um pequeno momento para reparar por quais artistas a garota buscava. — Deftones?
Não podia ser real. Era a minha banda favorita.
— Sim, eu estava procurando pelo Around the Fur, mas só encontrei White Pony e Diamond Eyes. Comprar pela internet é tão sem graça. — Suspirou, inquieta.
— Não é? A experiência de ir na loja e sair com o produto em mãos é tão único — concordo, me sentindo cada vez menos menos "travado" ao conversar com a garota.
Ela abaixa a cabeça por um instante e põe as capas de volta na prateleira, em meio a outras várias iguais. Tive certeza de que logo iria embora e nunca mais a veria, então tento algo que, até então, nunca tinha feito antes: manter alguém em uma conversa. Medidas desesperadas, talvez?
— Eu tenho quase todos os CDs em casa. Se quiser, eu posso passar aqui amanhã e te trazer alguns.
— É sério? — Vejo o seu olhar mudar ao impedi-la de dar meia-volta e sair da loja. — Seria incrível! Quando eu posso aparecer?
Eu a encaro surpreso e sorrio ao concordar com a cabeça. Eu já pensei em fazer várias loucuras quando aparecesse a primeira oportunidade, mas nunca pensei que realmente faria. Isso está mesmo acontecendo ou eu vou acordar a qualquer momento na minha cama? Por que ela aceitaria se encontrar com um estranho e logo comigo?
— Eu posso passar por aqui pelas três da tarde. Consegue estar aqui nesse horário?
Ela concorda e me devolve o sorriso, não tão intenso e inexplicavelmente abobalhado quanto meu. Se parecia mais como um aperto de mão amigável. Observei seus lábios se movimentarem em um movimento falho, como se fosse dizer algo, mas é interrompida por alguém que a chama do lado de fora. Ambos olhamos para a porta de vidro, e cerca de três outros jovens a esperam em suas bicicletas, dois rapazes e uma garota.
— Emi! Ela já está esperando por nós! — gritou um rapaz de touca amarela, um pouco mais velho que os demais.
Emi. Seu nome é Emi.
— Nós vemos aqui amanhã, então — diz ela, já se afastando para ir ao encontro dos amigos. — Até mais!
Parado, no mesmo lugar, a vi montar na garupa da amiga e partir para seja lá qual for o seu destino. Novamente, estou parado com aquela cara de bobo que eu sempre faço quando algo incrível acontece.
— Senhor? Precisa de alguma ajuda? — um dos funcionários me chama, atrás de mim.
Merda.
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Polaroid
Romance━━━━━━━━ • ▎Durará para sempre ou apenas será eternizado em memórias? Um sentimento que se inicia do completo nada, com uma simples troca de fitas. Oliver conhece Emi em uma loja de instrumentos musicais em Houston, EUA, e se tornam cada vez mais pr...