Clara sempre fora uma pessoa cética. Não acreditava em fantasmas, maldições ou superstições; sua vida era regida pela lógica. Quando se mudou para a antiga casa de sua avó, um casarão decrépito e repleto de lembranças esquecidas, tudo parecia perfeitamente normal. As janelas rangiam ao vento, o piso de madeira estalava durante a noite, e o grande espelho no quarto de hóspedes refletia uma beleza antiga, apesar das manchas e rachaduras que o tempo deixara. Clara o cobriu com um lençol, achando que aquilo era apenas mais um detalhe decorativo, sem importância.
As primeiras semanas foram tranquilas. Clara reorganizava os cômodos, limpava o pó acumulado ao longo dos anos, e tentava se adaptar à solidão da casa vazia. Mas uma noite, algo mudou. Acordou sem motivo aparente, o coração acelerado e a sensação inquietante de que não estava sozinha. Os ponteiros do relógio marcavam exatamente 3h13. Clara se virou na cama e notou que o lençol havia escorregado do espelho, revelando sua superfície fria e manchada pela luz pálida da lua.
Sentiu um arrepio, mas tentou ignorar, convencendo-se de que era apenas um sonho ruim. Contudo, noite após noite, Clara acordava à mesma hora. Um sussurro quase inaudível parecia ecoar pelo quarto, como se alguém murmurasse palavras antigas e incompreensíveis. Ela evitava olhar diretamente para o espelho, mas não podia negar a estranha atração que ele exercia sobre ela, como se o reflexo tentasse revelar um segredo escondido sob a superfície polida.
Certa noite, com os nervos à flor da pele, Clara finalmente cedeu. Sentou-se na cama, acendeu o abajur e encarou seu próprio reflexo. Mas o que viu fez o sangue gelar: do outro lado do espelho, seu reflexo a olhava de volta, com uma expressão que não era sua. Seus olhos estavam vazios, e havia um sorriso torto que Clara nunca havia feito.
O reflexo piscou lentamente, como se estivesse vivo. Clara desligou a luz em um gesto automático, mergulhando o quarto em completa escuridão. Naquele instante, teve a certeza de que o espelho guardava algo mais do que apenas seu reflexo — e que, de alguma forma, esse algo estava esperando o momento certo para escapar.
Clara passou o dia seguinte em um estado de alerta constante. Cada sombra parecia mais escura, cada ruído mais alto. Na sua cabeça, tentava racionalizar os eventos da noite anterior como um simples delírio de uma mente cansada, mas algo no fundo de sua consciência lhe dizia que aquilo era real. O espelho se tornara um ponto de tensão, e ela evitava o quarto de hóspedes, fechando a porta sempre que passava por ali, como se aquilo pudesse impedir o que quer que estivesse do outro lado.
Durante o jantar, o silêncio da casa parecia mais pesado do que nunca. O som do garfo raspando o prato ecoava de maneira inquietante, e Clara se pegou olhando para o corredor escuro que levava ao quarto do espelho. Sentiu um calafrio percorrer a espinha, como se estivesse sendo observada, e fechou os olhos por um momento, respirando fundo para afastar a sensação.
À noite, tentou dormir cedo, mas o sono parecia impossível. Deitada, ouvia cada estalo do piso, cada rangido das paredes como se a casa estivesse viva. Quando finalmente adormeceu, foi despertada abruptamente, mais uma vez, às 3h13. O ar parecia pesado, e Clara sentiu um formigamento na pele, como se o próprio ambiente estivesse carregado de algo maligno.
Levantou-se lentamente, os pés descalços tocando o chão frio. Caminhou pelo corredor escuro, com uma inquietação crescente, até parar diante da porta do quarto de hóspedes. A maçaneta gelada contra sua mão tremeu quando ela girou, e Clara abriu a porta com um rangido que pareceu ecoar por toda a casa.
O espelho estava lá, refletindo a penumbra do quarto. Clara hesitou, mas deu um passo à frente, encarando seu reflexo na escuridão. Desta vez, a luz fraca da rua iluminava seu rosto, e ela se viu novamente... mas algo estava errado. Seus olhos estavam arregalados, o sorriso levemente distorcido, um reflexo de uma versão sua que parecia viva demais para ser apenas um reflexo.
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O Reflexo
HorrorApós se mudar para a casa de sua falecida avó, Clara passa por situações assustadoras que a fazem questionar sua sanidade