Prólogo - Havia algo estranho

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O céu de Seul estava tingido de laranja e rosa, um reflexo da luz do pôr do sol que se infiltrava por entre os arranha-céus da cidade. As ruas, sempre vibrantes, estavam agora mais calmas, com o som distante de conversas e risadas que vinham das tendas de rua. A nossa, a Tenda da Família Park, era uma das mais movimentadas da área, renomada e adorada pelos moradores locais. Vendíamos de tudo, desde ervas medicinais até os mais saborosos pratos caseiros, todos preparados com o carinho e o cuidado que nossa avó, a matriarca da família, nos ensinou.

A avó sempre foi o centro da nossa família. Mesmo com a idade avançada, era ela quem dava as ordens, decidindo o que cada um faria no dia, e sua palavra era lei. Meus pais, minha irmã mais nova, meus tios e primos, todos seguiam seus conselhos. Para os clientes, a Tenda Park era um lugar de tradição, mas para nós, era nosso legado, algo que nos conectava a gerações passadas e nos mantinha unidos.

Naquela noite, enquanto ajudava a fechar a tenda com meu pai Nam, senti uma estranha sensação de inquietação. Era algo que não sabia explicar — como se o ar ao meu redor estivesse mudando, ficando mais pesado e denso. Olhei para os lados, tentando encontrar algo fora do comum, mas tudo parecia normal. A cidade continuava seu ritmo, com pessoas passando apressadas, faróis de carros piscando ao longe e as luzes neon começando a iluminar as ruas.

"Está tudo bem?" perguntou meu pai, colocando a mão em meu ombro.

Assenti, mesmo que não tivesse certeza. Algo estava diferente, mas não conseguia apontar o que era.

Aquela noite passou de forma tranquila em casa. Jantamos todos juntos, como sempre, em volta da grande mesa de madeira que havia passado por várias gerações da família. O som das conversas alegres e dos talheres tilintando era aconchegante, familiar. Mas mesmo ali, cercado de amor e união, a sensação estranha persistia.

Na manhã seguinte, acordei com o som abafado de vento batendo contra as janelas. Abri os olhos lentamente, esperando ver a luz suave do sol entrando pelo quarto, mas ao invés disso, tudo estava estranho. O ar parecia empoeirado, como se uma camada de areia fina cobrissem tudo. Levantei da cama e fui até a janela. Quando abri as cortinas, meu coração disparou.

Não estava mais em Seul, mas Seul continuava ali.

Lá fora, o cenário era completamente diferente. O céu estava cinzento, denso e sem vida, e o chão, antes coberto pelo asfalto da cidade, era agora uma terra vermelha e seca. Não havia prédios, nem árvores, nem carros. Apenas uma vasta planície desolada e casas comuns, simples e desgastadas pelo tempo. As construções pareciam ter saído de outro século, como se eu tivesse sido transportado para o passado — um passado sombrio, triste, onde o tempo havia parado.

Saio correndo do quarto, esperando encontrar minha família, mas a casa estava vazia. As paredes, antes decoradas com fotos e lembranças da nossa vida em Seul, estavam nuas e frias. O silêncio era ensurdecedor, e uma camada fina de poeira cobria tudo, como se ninguém estivesse ali por muito tempo.

Tento pegar meu celular, mas o aparelho não ligava. Na verdade, nem sequer havia sinal de que já fora um celular. Era apenas um objeto inerte em minhas mãos, como se a própria tecnologia não existisse mais ali.

"Isso não pode estar acontecendo..." sussurrei para mim mesmo, tentando entender o que estava se passando.

Caminho até a porta da frente e, ao abri-la, o vento seco e empoeirado atingiu meu rosto. Lá fora, o mundo parecia abandonado. Não havia cor, não havia vida. Tudo estava parado, como se estivesse congelado em um tempo que não pertencia ao meu. Eu não sabia onde estava, nem como havia chegado ali, mas uma coisa era certa: esse não era o meu mundo.

Olho ao redor, buscando qualquer sinal de vida, de alguém que pudesse me explicar o que estava acontecendo. Mas a única coisa que encontrei foi uma sensação crescente de que algo muito errado havia acontecido. O ar pesado, o chão ressequido e a ausência de qualquer vestígio de modernidade me deixavam inquieto. Era como se eu tivesse sido transportado para outra época, para outro tempo — talvez para outro século.

Eu não sabia como, mas de alguma forma, estava preso ali. E enquanto tentava encontrar uma explicação, algo dentro de mim me dizia que, talvez, em outra vida, esse mundo sombrio tenha alguma conexão com o meu.

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