1929.
Fui com minha mãe para a missa de domingo. A igreja do Padre Francisco era sem dúvidas o ponto alto da cidade, possuía estilo de arquitetura barroca, enfeitada com as mais admiráveis estatuetas de Santos, paredes revestidas em ouro e vitrais coloridos que formavam a imagem da Santa Ceia. Quando o sol da manhã iluminava as janelas, as figuras dos apóstolos surgiam no piso e parede.
Me sentei no banco de madeira da terceira fileira, ao lado de minha mãe, esperando até que a missa começasse. Logo o Sr. e a Sra. Santos chegaram com seu filho, Theo, que se sentou ao meu lado. Dei espaço e a mãe de Theo foi sentar-se ao lado da minha. Desde que minha amizade com Theodoro deu início, minha mãe formou fortes laços com a Sra. Santos já que se encontravam com bastante frequência, aquilo era bom, eu gostava de ver minha mãe conversando com outras pessoas, apesar do ciúmes que sentia de ter de dividir sua atenção, o que julgo ser normal da idade que tinha na época.
– Coaxo – Theo cochichou para mim – Depois da missa eu, Severino e Roberto vamos pro rio. Quer vir junto?
– Pra que?
– Oras, pra que! Como pra que? Vamos nadar uai.
– Eu não confio em você o suficiente pra acreditar nesse nadar. Fora que eu sequer sei nadar, e até onde eu saiba, você também não.
– Deixa de besteira. Não tem nada demais. Se até os peixes nadam porque nós não poderíamos?
– E somos peixes por acaso?!
– Seja homem ao menos uma vez na vida Coaxo, vai ser divertido.
O padre entrou e todos fizemos silêncio, ele deu início a missa.
– Ai daquele que escolhe o caminho do pecado… – Padre Francisco falava em um tom que todos pudessem ouvir enquanto caminhava pela igreja, olhando para os fiéis – Vocês podem mentir para o pai… para mãe… para a esposa… e até mesmo para mim. Mas nunca para Deus. Ele vê cada coisinha que vocês fazem.
Troquei olhares com Theo. Eu não tinha nada a esconder, já ele não podia dizer o mesmo.
– Deus sabe tudo que vocês fazem. Nunca se esqueçam disso. Ele ouve tudo, vê tudo, até mesmo os pensamentos pecaminosos…
– Então, o que me diz Coaxo? – Theo cochichava – Vai querer ir no rio conosco ou vai continuar sendo um bunda mole?
– Não sou bunda mole!
– Shhh – Minha mãe me repreendeu. Ela não ouvia nossa conversa mas os cochichos estavam atrapalhando, eu lancei um olhar para Theo que ficou quieto depois disso.
Ao fim da missa me levantei junto de minha mãe, mas logo Theo pôs-se ao meu lado.
– Dona Rosa – ele deu um passo à frente tirando a boina e a segurando no peito – Eu estava pensando em levar o Coaxo pra praça, vamos jogar bola. Eu, Severino e Roberto. Podemos ir?
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Memórias de um Desconhecido
Historical FictionNo dia 20 de julho de 1964 encontrei essas páginas largadas na mesa de um bar qualquer... levei para casa e li. São relatos da vida de um homem nascido em 1919 que serviu na Segunda Guerra Mundial. Nessas páginas ele escreveu a parte da sua história...