O isolamento e as frestas

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Eu estava trancado sozinho em casa já tinha algum tempo. Desde o início da pandemia para ser mais exato, uns dois ou três meses.

Tudo se iniciara quando em algum lugar da Ásia, um vírus filho da puta havia pulado de uma espécie de animal qualquer para a espécie humana. Uma coisa que nem seria tão incomum, se não fosse pela altíssima velocidade em que esse vírus se espalhava e — o que mais assustava a todos — a taxa de mortalidade, que era altíssima. Algo entre dez e quinze por cento. Em outras palavras: a cada cem pessoas doentes, quinze morriam; a cada mil, cento e cinquenta; a cada dez mil, mil e quinhentos... se — numa estimativa otimista — metade da população mundial fosse infectada, 525 milhões de pessoas morreriam. Em consequência disto, o mundo havia parado enquanto procuravam por uma vacina ou cura.

Na minha cidade, as pessoas só podiam sair de casa se tivessem alguma justificativa decente. Ir para o trabalho — se este fosse essencial —, ir para o hospital, ou sair em caso de extrema urgência. Eu morava em um bairro pobre na periferia, logo as coisas eram um pouco mais complicadas para a maioria de nós que ali habitava. Só havia um supermercado que fazia entregas lá, o abastecimento de água era uma porcaria, o de luz também. Por sorte e pelo menos, a internet era boa.

Era navegando pela internet que eu passava meus dias. Eu não tinha ninguém para me fazer companhia. Quer dizer, antes de tudo, tinha a minha mãe; mas ela havia ido trabalhar como faxineira por tempo integral no hospital de campanha da cidade e nos falávamos somente por telefone desde então. Bem mais antigamente havia meu irmão também, mas agora ele estava preso por tráfico. Ele mandava recado às vezes... na última vez havia mandado um amigo me contar onde havia enterrado uma arma e dinheiro no quintal, caso o seu patrão viesse procurar, mas já haviam se passado alguns meses desde o contato e ninguém aparecera.

Enfim, eu era a porra de um privilegiado. Enquanto o mundo pegava fogo lá fora; enquanto várias famílias do meu bairro passavam fome e dependiam do governo para comer; enquanto meu irmão era punido pelo Estado e minha mãe corria risco para ganhar dinheiro; eu podia ficar em casa "tranquilo".

Mas a verdade era que eu nunca me sentira tão na merda quanto nesses últimos dias. Eu não consigo apontar quando exatamente havia começado aquela sensação dentro de mim. Era uma confusão de sentimentos negativos. Solidão, raiva, culpa, insegurança... quase tudo que passava por minha cabeça havia uma aura meio escura e isso me atormentava. Provavelmente estava desenvolvendo algum transtorno mental, ou algum que eu já tinha estivesse ficando mais agudo. Seja lá o que fosse, eu tentava me distrair quase o tempo inteiro para ter um pouco de sossego. Jogava alguns jogos online, navegava por redes sociais, fóruns, dava voltas ao redor da casa... inclusive, fora numa dessas caminhadas pelo quintal que descobri uma coisa interessante que me passaria a me distrair pontualmente.

O sol estava se pondo, quando uma luz se acendeu ao fundo, no quintal vizinho. De longe, eu pude notar alguns pontos brilhantes entre os tijolos do muro, frestas. Eu estava tão entediado, mas tão entediado, que decidi dar uma olhada. Aproximei a cabeça de uma das frestas e apertei os olhos. Havia um tambor preto ao lado de uma pequena mesa de madeira no meio do quintal, tudo sobre algumas tábuas velhas. Provavelmente o lugar onde se lavava roupas ou louças. Eu observei um pouco mais, havia uma casa de madeira mais atrás, e, encostado em sua parede um amontoado de lona preta; era a primeira vez que via aquele ambiente, eu não sabia nem quem morava ali. Isso meio que atiçava mais a minha curiosidade. Não demorou muito para uma jovem mulher sair de dentro da casa. Ela era branca, tinha os cabelos pretos lisos amarrados, usava um vestido escuro e justo, que valorizava suas curvas. A moça era linda. Eu continuei a observar. Ela tinha um tecido grosso em suas mãos que logo colocou sobre a mesa ao lado do tambor, e foi somente quando ela se inclinou e começou a despir-se que eu percebi que o tecido era uma toalha e que ela iria tomar banho. Minha primeira reação foi me afastar do muro, aquilo era algo muito errado, meu coração estava acelerado. E por mais repulsivo que fosse, fiquei excitado. Tinha uma mulher gostosíssima, pelada, tomando banho do outro lado do muro. "Não estaria fazendo mal para ninguém", eu pensei. Bem... ela não saberia que eu estava olhando, mas era apenas isto, eu estaria apenas assistindo escondido.

Depois de minha mente finalmente me convencer, eu encostei a cabeça de volta no muro. A moça já estava nua quando pegou uma vasilha menor de dentro do tambor e despejou água em seu corpo. A visão da água escorrendo pelos seus seios, barriga, espalhando por sua cintura até finalmente alcançar os seus pelos tímidos lá embaixo foi demais para mim; e ali, encostado no muro, me masturbei enquanto comtemplava a moça se lavando. É engraçado o quanto aquilo era viciante. Dia após dia, quase sempreno mesmo horário, nós repetíamos aquele ritual. Cheguei até a me sentir um pouco culpado nas primeiras vezes, mas com o tempo minha consciência cedeu.

Foi mais ou menos nessa época que as coisas começaram a ficar um pouco estranhas.

O VoyeurOnde histórias criam vida. Descubra agora