Era um dia insolitamente ordinário e monótono no Vale Coração Puro; bastante sereno, diga-se de passagem. Nenhuma monstruosidade gigante surgiu pretendendo destruir o vilarejo, e tampouco os queridinhos cujo nele residiam arquitetaram quaisquer balbúrdias mirabolantes entre si no intuito de perturbar a tranquilidade vigente. Tudo estava quieto; quieto até demais, na verdade.
No topo de uma colina, supervisionando a rústica vila, e a diáfana moradia do sempre extravagante Rei Aristomagno XXV, jazia o Departamento do Xerife: a sede do valente trio de heróis que juraram defender o reino... dois dos quais achavam-se numa honrosa e demasiada, tremendamente séria competição envolvendo quem seria hábil o suficiente para obter a maior pontuação imaginável em um videogame.
Conforme Texuguloso vangloriava-se para Adorabat no sofá acerca de sua "técnica lendária" (leia-se: massacrar o coitado do botão principal até vencer por meio da força bruta) que unicamente o segundo maior dos heróis poderia dominar, ainda segurando o fumegante e visivelmente danificando controle, seu parceiro de longa data, o xerife Mao Mao, meticulosamente afiava sua katana dourada, silenciosamente receoso devido á inabitual calmaria do dia.
Polindo Geraldine (como ele batizara a lâmina), Mao Mao não conseguia afastar a sensação de que um evento trágico - calamitoso, inclusive - cairia sobre o reino naquele dia. Tratava-se de um lúgubre pressentimento, aumentando gradativamente no âmago de sua alma. "Ao menos", pensou ele, "Não passa de nada além disso. Uma sensação estranha".
Até que, repentinamente, os três ouviram um quase ensurdecedor alarme disparar, notificando-os de uma potencial e devastadora ameaça. Texuguloso sobressaltou-se, se desequilibrando e rolando no chão, enroscando-se nos fios desajeitadamente emaranhados por ele que ligavam os controles ao console. O espadachim felídeo, por sua vez, soltou um "Eu sabia!", quase aliviado, e logo dirigiu-se á Aeromoto, o veículo pessoal de... todos os três guardiões do vale.
Poupando-se o demoradíssimo e árduo esforço de desembaraçar Texuguloso, Mao Mao carregou o enorme mustelídeo até a Aeromoto daquele jeito mesmo, embora Adorabat sugerisse o contrário. "Um herói tem de fazer sacrifícios quando o tempo exige que esse seja o caso! Palavras do Código dos Heróis, não minhas, Adorabat!", falou ele á diminuta morcega, antes de sinalizar para ela embarcar, enfim possibilitando-lhes descobrir a origem do alarde presente.
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Fazendo uso da Aeromoto para sobrevoar a cidade, perceberam que as ruas estavam majoritariamente vazias, mas havia a exceção de uma densa aglomeração na grande praça que separava as moradias dos habitantes do palácio real. Os queridinhos ali presentes aparentavam tensos. Daquela altura, podia-se ver que alguns seguravam placas e vociferavam exclamações urgentes, talvez exigindo atitudes do rei.
Quando foram vistos descendo á cena de agitação, o outrora efervescente tumulto deu lugar a uma inquietação mais branda, a chegada dos xerifes simbolizando esperança e uma possível resolução para os diminutos e coloridos seres.
"Xerife!", exclamou uma diminuta zebra de meia-idade, tropeçando em sua direção por conta da tensão impregnando o ambiente. "Ainda bem que você chegou! O Vale está passando por uma comoção nunca antes vista!", falou ela. "Acalme-se, cidadã!", solicitou Mao Mao, taciturno como de costume. "Afinal de contas, o que seria essa 'comoção' a qual a senhora se refere?".
"É horrível", clamou a queridinha listrada, entre choros. "Queridinhos de todos os tipos, tamanhos, cores e idades estão desaparecendo, sem deixar rastro algum!", revelou ela, enxugando as lágrimas do próprio rosto. "No começo, tentamos ignorar, até que...", subitamente, ela passou a chorar de novo, esforçando-se para comunicar o que andava desenrolando-se no Vale. "Até que as crianças começaram a sumir também!" gritou a queridinha, uma imensa dor audível no tom de sua voz.
