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Laura Santos
Rio de janeiro

Sempre morei na favela, mas vi meu irmão se tornar o dono disso tudo quando tinha meus 4 anos idade. Eu sou irmã do dono do morro , e isso muda muita coisa por aqui. Desde pequena, sempre soube que o nome do meu irmão tinha peso. Ele é respeitado e, ao mesmo tempo, temido. As pessoas olham para mim com um misto de respeito e desconfiança. Alguns se aproximam tentando ganhar favores, enquanto outros mantêm distância, como se minha vida fosse fácil só por causa dele. Mas não é bem assim. Ser irmã dele traz suas vantagens, é verdade — ninguém mexe comigo, e eu ando por aí sem medo. Mas também carrega um peso enorme.

Meu irmão comanda tudo lá em cima, e a responsabilidade dele é grande. Eu vejo o quanto ele vive numa tensão constante, sempre lidando com problemas, seja com a polícia ou com rivais. Ele me protege, claro, mas eu também sinto o peso das escolhas dele. Às vezes, ouço o som de tiros no meio da noite, e meu coração aperta. Eu nunca falo, mas sei que essa vida cobra um preço alto.

Aqui na favela, ser irmã do dono do morro significa ter um certo status, mas também significa viver com a sombra do perigo sempre presente. Não posso ser só eu mesma. Sempre sou vista como a "irmã do chefe", como se isso fosse me definir completamente. Mas, no fundo, sou só uma garota que sonha, que cuida da casa e tento uma vida menos ariscada que a dele, pra de alguma forma sair daqui e ter uma vida diferente. Só que a minha realidade me puxa de volta, e eu preciso aprender a viver entre esses dois mundos — o das minhas ambições e o da realidade em que nasci e cresci.

Quando o ônibus começa a subir o morro à noite, voltando da faculdade, tudo muda. A cidade lá embaixo já está envolta por luzes de prédios e postes, mas, à medida que me aproximo da favela, as luzes começam a ter outra forma, outro brilho. As ruas ficam mais escuras, iluminadas por lâmpadas fracas, e as sombras das casas empilhadas no morro parecem ainda mais densas. As vielas são um labirinto de concreto e tijolo aparente, e eu conheço cada canto, cada curva, como se fizessem parte de mim.

À noite, a favela tem uma energia diferente. Dá pra sentir a vida pulsando nos detalhes: as motos descendo a ladeira, carregando entregadores e pessoas que vivem na correria do dia a dia; o som abafado do funk que reverbera nas paredes; e as vozes misturadas, seja de quem tá batendo papo na calçada, seja das mães chamando os filhos pra casa. Lá embaixo, a cidade parece distante, as luzes do asfalto das avenidas largas piscando, como se fosse uma outra realidade. Mas aqui em cima, o movimento nunca para. Os becos estreitos estão sempre vivos, cheios de histórias e segredos.

Enquanto olho pela janela, a fumaça das churrasqueiras de esquina se mistura com o cheiro de comida feita com pressa, talvez um frango assado ou um espetinho. As casas de tijolo sem reboco têm luzes fracas vindas das janelas, algumas cobertas por panos improvisados como cortinas. Em cada canto, tem uma história sendo contada: uma criança chorando, um grupo jogando baralho na esquina, um rádio velho tocando um samba antigo.

As pipas, que durante o dia coloriam o céu, agora dão lugar às estrelas, mas as antenas e os gambiarras dos fios elétricos continuam se destacando contra o céu noturno. O silêncio da noite nunca é completo; sempre tem um som ao fundo — uma moto passando, o rádio de algum boteco, ou, às vezes, os sons mais pesados, que são parte da rotina da favela. Eu sei que, em algum canto, tem gente vigiando, atento a qualquer movimento suspeito, sempre de olho.

Ao me aproximar da minha casa, eu sinto um misto de alívio e tensão. Alívio por estar de volta ao lugar que conheço tão bem, ao lar onde minha mãe me espera, com uma panela no fogo e a TV ligada. Mas também uma tensão, porque, à noite, a favela tem suas próprias regras, seus próprios códigos. Ser irmã do dono do morro me dá uma certa proteção, mas isso não significa que estou imune a tudo que acontece. Aqui, a linha entre segurança e perigo é fina, e eu sempre ando com essa consciência.

Mesmo com tudo isso, quando o ônibus para na subida do morro eu desço com a cabeça erguida, sentindo o peso da noite e da favela em cada passo. Aqui, entre as sombras e as luzes fracas, é onde pertenço.

- Boa noite, Dona Laura! - Escuto a voz e olho ao redor vendo Abner sentado numa cadeira de bar vermelha.

- Boa noite, Abner! - Abner era um dos aviõezinhos da favela, menino de pele escura e com a arcada dentária totalmente apodrecida pelo uso de drogas que corroeram seus dentes.

Subo as escadas sentindo o cheirinho de feijão em uma das casas e escuto minha barriga roncar.

Suspiro quando finalmente chego em casa e entro, vendo meu irmão jogado no sofá adormecido com um balde de pipoca no colo.

Caminho até ele e pego um punhado da pipoca enquanto caminho para meu quarto.

Empurro a cortina que separava meu quarto do corredor e jogo a mochila no tapete enquanto arranco meus tênis e suspiro pela dor de cabeça.

Prendo meus cabelos num coque baixo e pego a camiseta do Brasil enquanto retiro a outra que usava, colocando essa e um short de pijama.

Caminho com os pés descalços indo em direção a sala pra procurar por minha mãe.

Mas sou interrompida ao ver 6 policiais do bope espalhados pela sala, enquanto 2 miram em mim assim que me veem.

Merda, Matheus! Acorda!

Prendo o ar, vendo os homens com as armas enormes enquanto meu irmão dorme tranquilamente.

- Quietinha! - Um deles se vira pra mim ele é alto, com ombros largos e uma postura rígida, sempre pronto para ação. Seu rosto é marcado por linhas fortes e severas, a mandíbula quadrada e o olhar penetrante deixam claro que ele é alguém que não aceita desafios levianamente. Seus olhos, de um tom escuro, têm uma intensidade que parece enxergar através das pessoas, como se sempre estivesse avaliando o próximo passo, o próximo perigo.

- Boa noite, donzela! - O policial diz após dar um tapa leve no rosto do meu irmão, que automaticamente pula do sofá.

- Opa, senhor. - Matheus diz, enquanto limpa as ramelas no canto do olho e levanta as mãos em rendição.

- 'Tá' devendo, moleque? Não mandei erguer os braços! - Agora um policial de pele negra e armação de óculos redonda toma a posse da conversa.

Enquanto o outro caminha até mim, abrindo caminho entre os outros policiais e a luz da televisão reflete em seu nome no uniforme preto.

Capitão Nascimento.

Capitão Nascimento

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notas da autora:

Eu digo gos e vocês tosooooo

simplesmente o betinho já mostrando quem é que manda por aqui.

Só sei dizer que aqui ele vai ser apocalíptico mais ainda viu?

Só sei dizer que aqui ele vai ser apocalíptico mais ainda viu?

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⏰ Última atualização: Sep 15 ⏰

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