Capitulo I

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"A vida é como um campo de girassóis: sempre em busca do sol, até o momento em que a luz desaparece, e então tudo o que resta é a escuridão."

Esse pensamento tem ecoado na minha cabeça desde que acordei no hospital. Talvez porque eu mesmo esteja tentando encontrar alguma luz em meio à escuridão que minha vida se tornou. Mas não há girassol que resista à ausência do sol... e eu sinto que o meu já está murchando.

Os médicos disseram que meu quadro de memória poderia piorar se eu ficasse ali por mais tempo, então decidiram me mandar para a casa da tia Julieta, a irmã mais velha da minha mãe. Eles falavam como se estivessem me protegendo de algo, mas o que eles não diziam... era que eu já tinha perdido tudo. Minha mente, confusa, me poupa de alguns detalhes, mas não o suficiente. O que aconteceu naquela estrada ainda me persegue, mesmo que em fragmentos.

No carro, a caminho da casa dela, passamos por vastos campos de girassóis. É estranho como aquela vista me deixa inquieto. Girassóis, que deveriam ser símbolo de esperança, me parecem mais como lembretes de que a vida segue em frente, mesmo quando você não consegue.

"Tia, a Olívia... você lembra dela?" Eu quebro o silêncio no carro, quase sem pensar. Lembro-me vagamente dela, minha única amiga de infância. Uma lembrança que deveria ser clara, mas parece que está sempre fora de alcance, como se estivesse cercada por neblina.

"Claro que lembro, Will. Vocês eram inseparáveis." Ela me dá um sorriso pequeno, mas há algo a mais por trás disso, uma tristeza que ela tenta esconder. "Mas você tinha outro amigo... você não se lembra dele?"

Eu não me lembro. Tento puxar pela memória, mas ela falha. Depois que perdi a Olívia... depois do incêndio... eu nunca mais tive outro amigo. Nenhum que importasse de verdade, pelo menos. Desde então, a troca com qualquer pessoa parece impossível.

"Não me lembro, tia," murmuro, desanimado. "Depois da Olívia, não sobrou ninguém. E agora vou para uma escola nova. Não sei se vou conseguir fazer amigos lá."

Ela me lança um olhar de lado enquanto mantém as mãos firmes no volante. "Will, você não precisa se cobrar tanto. Esse outro amigo... ele era tão próximo quanto Olívia. Talvez, se você tentar lembrar, consiga entrar em contato com ele. Quem sabe vocês não se reencontram na escola?"

Eu duvido. Todo mundo parece ter seguido em frente, deixado o interior para trás. E eu, preso ao passado, ao que não consigo lembrar... como posso seguir em frente? Como posso reconectar com alguém, quando nem sei quem eu sou agora?

Enquanto a paisagem dos girassóis continua a passar pela janela, sinto o vazio se expandindo dentro de mim. Mais do que nunca, sinto falta da minha família. E, mais do que tudo, sinto falta de quem eu era antes de tudo isso.

"Tia, eu sinto falta deles..." Minha voz sai mais baixa do que eu pretendia.

Ela estende a mão e aperta suavemente a minha. "Eu sei, querido. Mas isso não significa que você esteja sozinho."

Eu gostaria de acreditar nisso. Mas por enquanto, os girassóis ainda parecem estar virados para o lado errado.

Eu não sei em que ponto do caminho acabei adormecendo. A viagem parecia interminável, e, antes que eu percebesse, meus olhos ficaram pesados. O movimento suave do carro e o som abafado da estrada me fizeram apagar.

Quando acordei, o carro já estava parado. Olhei pela janela e vi a casa da tia Julieta pela primeira vez em anos. Era maior do que eu lembrava. Dois andares, com uma estrutura de madeira que a fazia parecer tirada de um catálogo de casas de campo. Flores de todas as cores se espalhavam pelo jardim, e as janelas grandes permitiam que o vento circulasse por toda parte. Tinha um ar de aconchego, mas ao mesmo tempo, um certo distanciamento... como se não fosse real, como se eu estivesse apenas visitando um sonho.

Tia Julieta saiu do carro e abriu o porta-malas. Saí lentamente, ainda um pouco grogue. Quando entrei na casa, fui surpreendido pelo quanto ela era ventilada. As janelas abertas deixavam o vento fresco entrar, e as cortinas se moviam levemente com a brisa. Ao meu redor, linhas de tricô estavam espalhadas em várias partes da sala. Ela sempre amou tricô, lembro-me disso, mas era estranho ver tanto material assim pela casa. Além disso, tinha equipamentos de ginástica, como se ela tivesse transformado uma parte da casa em uma academia improvisada. Havia pesos, colchonetes e até algumas roupas de corrida penduradas pela sala.

"Tia, você tá cheia de projetos," comentei, observando o caos organizado.

Ela sorriu, aquele sorriso carismático que parecia nunca desaparecer. "Você me conhece, Will. Sempre com as mãos ocupadas, seja tricotando ou correndo por aí."

Quando era mais jovem, minha tia era uma espécie de lenda local. Popular na escola, ajudou a criar o programa de vôlei da cidade, o que a tornou ainda mais querida. Além de linda, ela era carismática, sempre com um sorriso fácil, e todos queriam estar ao lado dela. O oposto de mim, pensei. Eu não herdei nada disso.

Minha mãe, por outro lado... bem, digamos que eu puxei a ela. Mais introspectiva, reservada, diferente da tia Julieta. Mas, ainda assim, em algum lugar dentro de mim, eu sentia que essas lembranças estavam fora de alcance. Eu queria tanto poder me lembrar de mais coisas da minha vida antes do acidente, da minha família... mas tudo parecia tão distante.

"Vou levar suas coisas pro seu quarto, Will. E você deve descansar, parece exausto," disse minha tia, pegando algumas malas.

Peguei minhas coisas e segui ela até o andar de cima. O quarto era simples, mas confortável, com uma cama grande e uma janela que dava para o jardim. O som do vento movendo as folhas lá fora era reconfortante, e, pela primeira vez em muito tempo, me senti um pouco em paz.

Deitei-me na cama, ainda tentando organizar meus pensamentos, mas o cansaço me pegou de novo. Enquanto meus olhos fechavam, só pude pensar que, por mais que eu tentasse, não conseguia enxergar nenhum pedaço de mim na tia Julieta. Ela era tudo o que eu não era. Tudo o que eu talvez nunca seria.

E com essa última reflexão, apaguei, mais uma vez, no silêncio confortável daquela casa.

Três girassóis e você Onde histórias criam vida. Descubra agora