Capitulo III

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O silêncio na sala de reuniões era quase insuportável. O diretor, sentado atrás de sua mesa, me olhava com aquela expressão de desaprovação que eu já tinha aprendido a reconhecer. Ao meu lado, Roberto permanecia inquieto, com os braços cruzados e o olhar fixo no chão, como se tentasse cavar um buraco para desaparecer. O som do relógio na parede parecia cada vez mais alto, como se cada segundo ampliasse o peso da tensão que pairava no ar.

"O que exatamente aconteceu no corredor?", perguntou o diretor, com a voz baixa, mas firme.

Eu sabia que ele queria uma resposta direta, mas meus lábios estavam selados. Olhei de relance para Roberto, que continuava imóvel, sem intenção de se explicar. A verdade é que eu não queria falar. O que aconteceu antes da nossa correria não era um segredo que eu estava disposto a contar.

Antes que qualquer um de nós pudesse responder, a porta da sala se abriu, e o professor Antônio entrou calmamente, carregando alguns papéis. Ele era o tipo de professor que todo mundo respeitava, não por ser rígido, mas porque ele sempre parecia ver além das atitudes impulsivas dos alunos.

"Com licença, diretor", disse ele, pousando os papéis na mesa. "Estava trazendo esses documentos da biblioteca... e ouvi por alto que vocês estão com um pequeno... problema aqui."

O diretor assentiu, claramente desconfortável com o silêncio prolongado entre mim e Roberto.

"Esses dois estavam correndo pelos corredores e se recusam a me dizer o motivo", respondeu ele, com uma pitada de frustração na voz.

Antônio olhou para nós, seus olhos calmamente avaliando a situação. "Bom, eu estava precisando de uma ajuda para organizar algumas caixas de livros que acabaram de chegar. Talvez, ao invés de ficar aqui sentados sem falar nada, esses dois pudessem me ajudar. Quem sabe, no processo, eles resolvem essa desavença?"

Roberto levantou a cabeça, parecendo um pouco mais atento pela primeira vez desde que entramos na sala. Eu o conhecia bem o suficiente para saber que ele preferiria carregar caixas de livros a discutir o que aconteceu no corredor. E eu também. O que aconteceu com ele foi... complicado, e eu não iria contar.

O diretor ponderou por um momento, antes de suspirar e concordar. "Tudo bem. Vocês podem ajudar o professor Antônio. Mas isso não significa que o assunto está encerrado."

Agradeci mentalmente por não precisar falar mais nada. Roberto e eu nos levantamos, prontos para seguir Antônio até a biblioteca. Mas, enquanto saíamos da sala, uma última pergunta do diretor ecoou pelo corredor.

"Mas lembrem-se... isso não vai ficar sem explicação."

Eu sabia que ele estava certo. Mais cedo ou mais tarde, a verdade iria emergir. Mas por agora, carregar livros parecia um pequeno preço a pagar para evitar as palavras que eu não estava pronto para dizer.

Enquanto seguíamos pelo corredor, Agatha surgiu como um furacão, agarrando o braço de Roberto com uma força que transparecia urgência.

"Roberto, você não vai me dizer o que aconteceu?", ela disse, praticamente o arrastando para o lado. Seus olhos estavam apertados, cheios de raiva e confusão.

Roberto desviou o olhar, como se estivesse tentando evitar o confronto. "Não é nada, Agatha. Só... aconteceu. Não importa."

"Como assim 'não importa'?" Ela soltou uma risada seca, repleta de incredulidade, e me lançou um olhar fulminante, como se eu fosse parte do problema — o que, para ela, provavelmente era o caso. "Você tá andando com esse garoto agora?"

Senti meu estômago se revirar, mas me mantive quieto. O olhar de Agatha era penetrante, como se quisesse descobrir algum segredo que eu escondia. Roberto, no entanto, se afastou dela com um suspiro, claramente irritado.

"Agatha, chega disso. Eu não preciso dar explicações pra você."

Ela bufou, soltando seu braço. "Cuidado com quem você anda, Roberto. Cuidado." Ela me lançou mais um olhar raivoso antes de sair com suas amigas, marchando pelo corredor com passos rápidos e decididos.

A tensão ficou no ar por mais alguns segundos antes que o professor Antônio nos chamasse novamente, nos puxando de volta à realidade. Seguimos para a biblioteca, onde a atmosfera era mais silenciosa, quase como um refúgio dos conflitos exteriores. No entanto, dentro de mim, algo estava se formando, como uma sombra do passado que começava a emergir.

Depois de organizarmos os livros, cada um em um corredor diferente, a biblioteca caiu em um silêncio absoluto. O som abafado de passos e livros sendo arrumados era a única coisa que preenchia o ambiente. Eu conseguia ver Roberto pelo canto do olho, no corredor à frente, se esticando para guardar livros nas prateleiras superiores.

Ele estava nas pontas dos pés, tentando alcançar, e algo em seus movimentos desajeitados me puxou para uma memória distante. De repente, tudo voltou, quase como um filme se desenrolando em câmera lenta. O som abafado de risadas, um bolo colorido, uma casa cheia de amigos... meu aniversário de oito anos.

A imagem de Roberto, mais jovem, de pé no canto da sala, observando tudo com uma expressão indecifrável. Ele era o garoto que se afastava dos outros, que causou uma confusão, e depois desapareceu tão rápido quanto chegou. Meu coração começou a bater mais rápido, e a biblioteca parecia fechar ao meu redor enquanto aquela lembrança tomava forma.

Naquele momento, Roberto deixou cair uma pilha de livros da prateleira superior, que caíram direto sobre mim. Foi como se o som dos livros batendo no chão me puxasse de volta para o presente.

"Caramba, foi mal!", Roberto disse, agachando-se para pegar os livros que caíram. "Eu juro que não vi você aí."

Enquanto o ajudava a recolher os livros, a memória do passado ainda girava em minha mente. Agora eu tinha certeza de que ele era o mesmo garoto. Havia algo nos seus olhos, uma sombra de reconhecimento que ele tentava esconder, mas que eu conseguia ver.

"O que foi?", ele perguntou, notando meu olhar estranho.

"Você... você estava na minha festa de oito anos, não estava?" Minha voz saiu mais baixa do que eu esperava, quase hesitante.

Roberto parou por um segundo, olhando para mim com os olhos arregalados. Então, algo mudou na sua expressão, uma mistura de surpresa e, talvez, emoção. Ele riu, um som estranho no silêncio da biblioteca.

"Willzinho?" Ele balançou a cabeça, rindo ainda mais. "Caramba, eu sabia que te conhecia de algum lugar. Faz tanto tempo..."

Aquela sensação de suspense, de peças de um quebra-cabeça sendo lentamente encaixadas, se intensificou. Enquanto ele falava, as memórias do passado e o presente começaram a se fundir de uma forma estranha, quase inquietante.

Três girassóis e você Onde histórias criam vida. Descubra agora