Entre o Fogo e a Chuva

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   As gotas da chuva caíam incessantes, assim como as lágrimas que banhavam meu rosto. E, mesmo que inutilmente tentasse contê-las, eu só chorava mais e mais. Eu não poderia descrever em palavras a dor que sentia; simplesmente não conseguia parar. E, mesmo que lutasse contra, eu sempre falhava. Era a primeira vez em anos que eu chorava tanto. Meus olhos, negros como a noite, eram iluminados pelas ardentes brasas à minha frente. Uma cidade inteira em chamas. Gritos de agonia podiam ser ouvidos por horas, e, finalmente, o mais puro silêncio. A única coisa que se podia ouvir eram as chamas consumindo tudo o que tocavam. Aquela enorme cidade caía e se despedaçava, junto com o meu coração.

    Eu odiava tudo. Odiava as pessoas, as cidades, aquelas pessoas horríveis. Odiava o mundo e, acima de tudo, odiava a mim mesmo. Até ele aparecer. Um garoto bronzeado, de cabelos ruivos rebeldes que pareciam nunca permanecer no mesmo lugar, olhos castanhos claros e sorriso brilhante. Curioso e de humor extremamente alto e contagiante, ele vivia sorrindo, o que chegava a ser irritante. Ele tinha sardas no rosto; ao todo, contei vinte e sete. Não sei por quê, mas seu jeito doce e desajeitado não era meloso ou enjoativo. Era bom, muito bom. Eu não conseguia tirar os olhos dele. O garoto tinha total controle sobre mim, mesmo que não soubesse. Aquela foi a primeira vez que me apaixonei. A primeira e única vez.

    As chamas agora diminuíam de tamanho, junto com a chuva, que estava serena e fria, muito fria. Aquilo já havia parado de me incomodar. Mas, diferentemente das chamas ou da chuva, as lágrimas se recusavam a parar. As gotas da chuva caíam pelas mechas rebeldes e ensopadas do meu cabelo, molhando meu rosto, que, pálido, naquele momento assumiu uma cor semelhante ao vermelho. Eu não sei se era por vergonha de mim mesmo, medo ou tristeza.

    Por causa da minha raiva mal contida e dos meus atos estúpidos, causei a morte do meu amor. Ele queimou junto com aquela cidade e me deixou antes que eu pudesse dizer o quanto o amava. Ele e aquela cidade queimaram naquela noite e levaram junto o meu coração.

   William, eu te amo. Simplesmente te amo. Sinto muito por tudo que fiz. Causei a sua morte e, consequentemente, a minha também. Sinto tanto a sua falta, e todas as noites penso em como deveria ter pensado melhor antes de fazer tanta merda. Eu faria de tudo para apreciar seu sorriso e beijar novamente seus doces lábios, uma última vez. Eu sinceramente não sei para onde vou — céu, inferno, ou apenas morrer e me decompor — mas sei que não ficaremos juntos, porque anjos como você não caminham até o inferno com seres insignificantes como eu.

  Você tinha medo de fogo, não é? Eu deveria ter lembrado disso antes de incendiar aquela cidade.

  Você tinha medo de fogo, não é? Eu deveria ter lembrado disso antes de incendiar aquela cidade

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