Não é sobre jararacas

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— Foi uma péssima ideia trazer a melancia.

Enquanto caminhava, sentia os músculos da minha panturrilha repuxarem. O suor se acumulava na minha testa. Aquilo mais parecia uma tortura.

Raí olhou para trás antes de me responder, ele estava alguns metros à frente. Sempre apressado. Ou talvez eu que estivesse lerdo demais.

— Tss, eu não tinha percebido que os últimos anos trabalhando no escritório da fazenda haviam te tornado um preguiçoso. Estamos caminhando só há vinte minutos!

— Falta muito?

Ele checou o mapa da trilha em sua mão, parando de caminhar.

— Não faço ideia, acredito que não. Não tem como eu saber onde estamos para ter uma referência da distância.

— Mapas de papel, quem diria, hein? Tecnologia analógica, estou me sentindo um viking. Só falta a bússola.

— A bússola e mais algumas coisas para você parecer um viking, meu amigo. Mais disposição, por exemplo.

Parei ao seu lado, ofegante.

Ao nosso redor a mata se estendia por todo canto, não dava mais para ver a pousada ou qualquer sinal de civilização. Era apenas nós, a mãe natureza e meu medo terrível de que em qualquer momento uma cobra iria nos atacar. Não que eu achasse que elas estivessem à espreita ou coisa parecida, mas por garantia olhava bem por onde pisava.

Foi só ter esse pensamento que senti algo encostar no meu ombro, rapidamente reagi como qualquer pessoa normal no meu lugar: relinchando como um cavalo assustado. Quase deixei a melancia cair, mas Raí a pegou dos meus braços.

— Que vergonha, cowboy.

Olhei para o chão para identificar meu oponente perigoso: um galho seco bem fino.

— Poderia ser uma jararaca.

Raí riu e saiu caminhando à frente, me obrigando a segui-lo.

Chegamos no tal ponto de acampamento uns dez minutos depois. Foi fácil identificá-lo, um espaço de uns 30 metros quadrados, todo cercado, com mesas e bancos de cimento, lugar para acender fogueira e espaços para montar barracas.

Assim que chegamos, fomos recepcionados por uma família, os Monteiros: um homem, uma mulher e três filhos de idades variadas. Eles também eram hóspedes da pousada, nos disseram que estavam ali já há quatro dias e à tarde estariam de partida, não era a primeira vez que faziam aquele passeio, na verdade, era um costume de família.

Claro, sendo Raí um extrovertido de mão cheia, logo já estávamos sabendo da história inteira da vida deles. Do que trabalhavam, onde moravam... Só coisas extremamente interessantes.

— Hei, será que você poderia nos dar uma ajudinha com a barraca, por favor? - Perguntei a Alberto, o pai da família.

Alberto deveria ter uns cinquenta e tantos anos, com um jeitão de quem viveu a vida toda na capital.

— Certamente que sim.

Enquanto eu trabalhava duro assistindo o Alberto montar nossa barraca, Raí estava completamente entretido com os demais monteiros.

— Seu amigo é animado.

— Você não viu nada. Não existe pessoa no mundo que Raí não consiga tirar uma conversa.

— Vocês são...?

— O que?

— Sabe? Parceiros. Só deixando claro que não temos preconceito nenhum. Seria ótimo, na verdade, porque assim não teria que me preocupar com a Camila.

Camila era a filha mais velha do casal, uma adolescente que aparentava uns 17 anos.

— Não somos. - Deixei bem claro. Alberto virou o pescoço e deu uma boa olhada na direção de Raí conversando com seus filhos. Realmente, Camila parecia bem encantada com meu amigo. — Mas não precisa se preocupar, nós...

— Deixa disso, eu estava brincando. - Ele se ergueu — Pronto, trabalho feito.

— Muito obrigado, Alberto. Eu provavelmente levaria umas cinco horas para conseguir fazer isso.

— Certamente sim. Agora vamos comer, vocês devem estar com fome.

Depois de alguns lanches deliciosos da senhora Emília e devorar uma melancia, acabamos nos despedindo dos Monteiros. Claro que Raí abraçou a todos como se os conhecessem há mil anos.

— Ela te deu o número dela, não deu? - perguntei quando estávamos a sós.

— Quem?

— A pirralha.

— Lógico que não, maluco. Dei uma risada silenciosa, pelo menos meu colega Alberto tinha vencido aquela batalha.

— O que vamos fazer agora? - Questionei.

— Montar uma fogueira? Sempre quis fazer isso. Podemos deixar para ir na cachoeira amanhã.

— Por mim tudo bem.

Enquanto fazíamos isso, recolhendo galhos secos aos arredores, Raí foi me atualizando sobre os últimos acontecimentos de sua vida.

Nos últimos anos ele havia se mudado para cursar faculdade de Medicina Veterinária na capital, nesse período conversamos muito pela internet e nos encontrávamos pelo menos duas vezes por mês, seis horas de viagem. Não foi fácil, Raí e eu sempre fomos inseparáveis desde que me conheço por gente, mas também compreendo que foi um período importante na vida dele e de amadurecimento, por isso dei total apoio, mas confesso estar aliviado com o fim do seu curso.

— Conheci a Bárbara.

— Lembro dela. Uma loira com tatuagem de borboleta no pescoço - Falei, me recordando dela na última vez que o visitei.

— Garota legal, estudava arquitetura. Acho que gostei dela.

— Mas?

Ele ficou quieto e deu de ombros.

— Não era pra ser.

— Acontece. Um hora você encontra uma garota que seja "mais do que legal". Raí sorriu.

— Acho que está bom de madeira já.

— Também acho - Concordei, vendo a pilha enorme de madeira que recolhemos sem nem ver o tempo passar.

Fomos sentar nos bancos de concreto, Raí tirou algumas fotos nossas e do lugar com seu celular.

— E você? Como anda sua vida?

Coloquei a mão no queixo, pensativo.

— Ah, nada de muito novo. Continuo na administração da fazenda, o que eu realmente tenho mais certeza a cada dia de que eu detesto completamente, mas... Não sou bom em mais nada, então... É isso ou ter que procurar um emprego de verdade, o que você sabe, poderia me matar.

— Não seja idiota.

— Sério - Acabei sorrindo da minha própria desgraça. — Você fez muita falta.

— Bom, seu pai me prometeu um emprego, então não vou a lugar nenhum.

Ele me olhou. Seus olhos verdes bem brilhantes sob o sol.

— Eu não deixaria mesmo. 

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⏰ Última atualização: Sep 19 ⏰

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