Doce Lar

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A casa onde vivíamos não era apenas uma morada; era uma tumba. Contraí matrimônio com aquela que sempre dominou meus pensamentos de maneira obsessiva: Eva, cujas emoções pareciam sempre distantes, quase irreais. Nossa residência refletia a essência de nossa união, um lugar tão desprovido de calor quanto de lógica. O teto baixo e encardido parecia estar sempre prestes a desabar sobre nós, e o chão, irregular e traiçoeiro, ecoava cada um de nossos passos com um rangido que poderia muito bem ser um grito abafado.

Aquele espaço, sombrio e opressor, desafiava a sanidade. Cômodos sem qualquer razão, uma disposição que beirava o insano, como se algum arquiteto demente o tivesse projetado em delírio. O que mais nos aterrorizava não era o silêncio da noite, mas a presença constante daquela luz amarelada e fantasmagórica, lançada pela única lâmpada que insistia em funcionar. Ela revelava os cantos da casa, mas nunca completamente, como se quisesse guardar segredos que pairavam nas sombras dos móveis desgastados.

No coração daquela prisão, nosso "saloon" era um cemitério de móveis envelhecidos e almas perdidas. Dois sofás, idênticos em seu abandono, ocupavam posições de enfrentamento. Eu evitava olhar diretamente para o que estava sobre o sofá à minha frente, coberto por um lençol que se assemelhava a uma mortalha. Algo dentro de mim sabia o que estava ali, mas recusava-se a aceitar a verdade que meus olhos poderiam revelar.

No canto, uma televisão exibia incessantemente estática, um ruído constante e irritante que preenchia o ar. Minha esposa, tão distante de mim quanto uma estrela morta, parecia quase hipnotizada pela interferência caótica, como se aquele zumbido vazio a consumisse aos poucos. Sua obsessão com aquela tela vazia era tamanha que, muitas vezes, eu me perguntava se ela se tornaria uma daquelas imagens distorcidas, sem cor, sem vida. Contudo, naquela noite, algo mudou. Ela, que normalmente se isolava no quarto, aceitou sentar-se comigo, embora sua presença fosse mais um peso do que um consolo.

Sentei-me no sofá velho, afundado pelo tempo, enquanto ela se aninhava em meu colo. Seu corpo, antes vibrante, agora parecia etéreo, quase uma sombra de si mesma. O toque de meus dedos em seus cabelos — outrora macios e perfumados — agora me trazia uma sensação de perda, como se o que restasse dela fosse apenas uma lembrança desvanecida. Sua fragilidade era palpável, e o peso da proximidade tornou-se sufocante.

Ela, sempre tão silenciosa, fitou-me com olhos vazios e, com uma voz que soava distante e dolorida, perguntou:

— Você não percebe?

O ar ao nosso redor estava pesado com uma angústia que eu não compreendia. Beijei sua testa, tentando agarrar-me ao que restava da mulher que eu amava. Ela se aconchegou em meus braços, sua magreza fazendo-a parecer um fantasma, e então murmurou, quase como se estivesse sussurrando para si mesma:

— Acorde.

O frio em seu tom cortou-me mais do que qualquer lâmina poderia. Um desejo instintivo de beijá-la, de amá-la, atravessou meu corpo, mas o cheiro fétido que enchia o ambiente me deteve. Era o aroma da morte — um odor que eu conhecia, mas fingia não reconhecer. A casa parecia pulsar com aquilo, como se estivesse viva, exalando sua própria putrefação.

— Ouvi barulhos vindos de trás da casa — ela disse, baixinho, mas com uma intensidade que fez o medo escorrer pela minha espinha.

Eu sabia que o som não era novo. Aqueles ruídos, aquele constante bater e arranhar, haviam me assombrado por noites incontáveis, mas, como tudo naquela casa, preferi ignorá-los. Ainda assim, sua confissão trouxe à tona uma realidade da qual eu não podia mais fugir.

Levantei-me lentamente, afastando-a de mim com uma mistura de tristeza e determinação. A porta da sala estava fechada, pesada, envolta em correntes. A ideia de alguém ou algo do lado de fora tentando entrar era insuportável, mas o que estava lá fora era o menos preocupante. Peguei um facão enferrujado pendurado na parede. Sua lâmina estava tão desgastada que parecia quase uma piada cruel, mas era tudo o que eu tinha.

Ela me observava, seus olhos cheios de um medo que nunca havia mostrado antes. Pela primeira vez, senti que não era apenas eu quem tentava protegê-la. Ela também temia algo que ia além do físico, algo que rastejava pelo ar e pelas paredes daquela casa maldita.

Com o facão firme em minha mão, caminhei em direção à porta. O rangido das dobradiças ecoou pela sala, e o vento da noite soprou com uma frieza antinatural. A escuridão do lado de fora era densa, como se a própria floresta que nos cercava tivesse se aproximado da casa. Ouvi o som novamente — um raspar, como garras arranhando a madeira velha.

Meu coração batia forte, e o terror, que antes se escondia nas sombras, agora se aproximava rapidamente. Eu sabia, no fundo, que o verdadeiro horror não estava do lado de fora. Algo dentro daquela casa estava à espreita, algo que se alimentava da nossa presença, da nossa fragilidade. Eu sabia, no fundo, que eu era esse mal.

Ao olhar para minha esposa, senti que o tempo estava acabando. Havia algo errado, algo terrivelmente errado. E então, como se tudo fizesse sentido, compreendi: a mulher que eu estava tentando proteger... já estava morta há muito tempo. E eu... eu era o único que ainda não havia acordado para essa terrível verdade.

A casa, os sons, o terror — tudo fazia parte de um pesadelo que eu criei. A lâmina em minha mão não poderia nos proteger de mim. O que restava, naquele lugar infernal, era apenas o eco de um amor que havia sido sepultado junto com ela. A casa era o túmulo do meu amor e minha própria tumba.


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