Capítulo 1 sem título

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Era uma vez duas pessoas com uma grande bagagem de sonhos, imperfeitas ao ponto de ir em busca dos seus desejos com mais intensidade do que a própria sorte. Ele mal imaginava aquela doce existência. Ela nem acreditava conhecer alguém como ele um dia. Mal sabiam das suas predestinações. A vida andava numa aquarela sem cor, indiferente.

Em uma pequena cidade no interior, o destino fazia com que passassem boa parte do tempo com utilidades caseiras, ele mal suspeitava dentre a paz que existia naquelas ruas desconhecidas até encontrar aquela moça de cabelos longos.

Era uma casa charmosa, não pelos padrões arquitetônicos, mas de uma elegância rara, aquelas típicas casas antigas. O telhado abrigava um simpático sótão, a copa e a cozinha de uma largueza, revestidas com belos azulejos portugueses.

Todas as manhãs como era de costume ele abria a janela para avistar o nascer do sol, como um ritual. Segurava sua xícara de café e observava silenciosamente a graciosidade expelida pela natureza. Porém, naquele dia os ventos trouxeram outra graça. Ela caminhava por caminhos incertos, naquele instante ela sentiu um aroma diferente e o sobreviver fez a vida transbordar amor. Aquele olfato a fez sentir um outro caminho. Literalmente ele a fez sentir um gosto diferente do que ela já conhecia. Os dois passaram a manhã inteira juntos, lado a lado observavam o dia ensolarado, enquanto não conversavam trocavam olhares alegremente. Sem ver o tempo passar, ali sentados ao lado do bule de café.

Ao voltar a completar seus destinos, ele via no amanhecer o brilho dos longos cabelos e ela a cada caminhada sentia o aroma forte e equilibrado que vinha das ventanas abertas. A predispor seus caminhos, ela buscava em cada estrada um novo encontro, enquanto ele continuava seus quefazeres e seus rituais diariamente. Indispostos ao mesmo tempo da espera de completar o vácuo que a pouco foi passado.

Marcaram um novo encontro na cafeteria do centro, era apenas o segundo encontro e ela se sentia nervosa, ele inseguro. Pareceu um pouco desajeitado, ficou se remexendo na cadeira e olhando para o relógio que não colaborava. O local era pequeno e aconchegante, escolhera uma mesinha na varanda. Janelas de madeira com cortinas brancas. Qualquer um que entrasse sentia o aroma de café fresco coado e não resistia aos doces da vitrine, tortas cobertas de geleia de morango ou merengue, rosquinhas, ou mesmo capuccinos cobertos com generosas voltas de chantilly.

Ela chegou e o cheiro fumegante de dentro da cafeteria emergiu como a sensação de bem estar que seu anfitrião sentiu ao vê-la ali. O aroma dos grãos torrados resgatava lembranças de família. A conversa não demorou a render entre os dois. Contou sobre os momentos com a sua avó, em que todos degustavam a própria produção. Os tilintares dos talheres à mesa soavam como partituras e ele saboreava como um presente.

Novamente o garçom se pôs frente à mesa e eles resolveram pedir o café tradicional. Ela com leite e ele puro e sem açúcar. A cafeína o fascinava. Com ar questionável o garçom saiu para preparar o pedido e ela não demorou a perguntar verbalmente.

De família de cafeicultores ele aprendeu a apreciar uma boa xícara antes dos seus dez anos de idade. Naquela época seu paladar ainda se sentia prematuro, bebia mais leite adoçado do que o conteúdo da produção da sua família. Porém, com o tempo virara o senhor amargo, não apenas de paladar, mas de coração.

Aquela jovem era no momento o único adoçante de sua existência. Desde que aparecera ele vira que precisava ser adoçado, pois ultimamente estava como pó de café coado. Se questionava se bebia algo falso ou ele que era o traiçoeiro da história.

Aquela tarde se fez costume como muitas outras, em que passavam com longas conversas e ele se preparava psicologicamente para o real sabor do café. Aproximava a xícara lentamente de seus olhos e pensava: - O amargo é apenas uma fase. Será que adoçar um pouco a vida é tão ruim?

Após alguns meses as conversas vespertinas na única e formosa cafeteria da cidade o café o venceu, foram vários nocautes ao ponto de cuspidas, manchas sobre as toalhas de renda. E o único doce que o conquistou foi o doce beijo de sua companheira.

E o casamento se fez, passando uma borracha sobre os panos. No início ele continuou apreciando do seu jeito puro, mergulhando muitas colheres de pó. Mas com o tempo para o modo de fazer o café não bastava só a química, ele achava que estava sendo um sucesso, porém estava coando no escuro.

Grãos moídos passaram, a colheita prometia pouco, uma florada esplêndida arruinada por um tempo desajuizado, apresentando muitas ventanias e geadas. E os preços, infames. A fazenda não era nem próxima de quando ela chegara. Estava uma desolação, os poucos funcionários já não tinham funções específicas, trabalhavam colhendo, limpando e secando.

Levantavam cedo, antes do clarear do dia, capinavam o dia inteiro com pouco progresso. A luta era enorme, pelo cafezal e por todos os que garantiam dali o seu sustento. Em tempos de boa colheita, as ruas verdes eram varridas de um vermelho vitorioso. Vários jacus serviam-se das fartas sementes, enquanto os tico-ticos tagarelavam.

Era domingo e ele havia tomado duas garrafas de café no dia anterior. O motivo era grandioso, quando achávamos que a história não sobreviveria à um segundo encontro, eles já estavam comemorando um ano de casamento. Quando ele se levantou da cama, movendo-se pelo quarto tentando fazer o mínimo de barulho possível, lembrou-se que ela gostava de acordar com o aroma do café passado no coador de pano e de croissant quentinho.

Enquanto enchia sua xícara, ela saía pela porta do quarto bocejando, com os cabelos bagunçados e o rosto amassado. Ele pegava o açucareiro e olhava ressabiado, analisando, olhava a xícara de café que lançava sua fumaça etérea, observava uma tênue espuma que se formava. E se misturasse um pouco de açúcar? O café ainda não estava no ponto, e diante de suas dúvidas, restaram o silêncio e uma nova produção para a fazenda.

Começaram cuidando dos canteiros, deixando a terra macia, ficando bem preparada. E após um período de adubação e cuidado logo surgiram algumas caninhas, surgindo aos poucos, tímidas de início por si dizer ele já estava conformado, pois semeara seu maior temor, e que fazia com que tudo ficasse doce! E vieram amarelinhas, ocupando todas as fileiras de terra cultivados.

Naqueles tempos, agora quando saía para o cafezal, antes passava pelo canavial acompanhado de um espontâneo sorriso no rosto. E para completar o seu dia a levava para tomar um café na cafeteria do centro. Naquela tarde de outono, à espera de sua xícara, ansioso ele segurava a mão de sua eterna namorada, assim que o seu café chegou, segurou a colher com a mão que estava livre e continuaram a conversar.

Como a fazenda havia se reerguido nos últimos meses foi a principal pauta. O serviço não tinha ficado mais leve, ao contrário. Todavia ele estava conseguindo recompensar os funcionários pelo esforço árduo. Alguns deles adentravam todos os dias no labirinto verde com os seus facões e passavam a maior parte do dia lá. O engenho também não dava muitas toneladas de cana, mas era bonito e estava cobrindo todas as despesas.

Ela percebeu que ao longo da conversa ele se demostrara muito mais leve, e desde que ela chegara adoravelmente iniciara a abrandar seus sentimentos. Num devaneio o viu colocando duas colheres de açúcar em sua xícara, com um sorriso distraído se viu com a lembrança daquele perfume que exalara em um caminho sem volta, talvez fosse o dele próprio.

Então apenas continuaram conversando e degustando os doces servidos que agora chamavam a atenção de algumas crianças olhando na vitrine, enquanto decidiam-se entre as rosquinhas e os biscoitos de melado. Ele tomou o primeiro gole e pensou: - Quanto mais cortamos cana, mais adoçamos nosso café.

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⏰ Last updated: Sep 26, 2024 ⏰

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