Uma tempestade se aproximava dos céus do Reino Unido, enviando um vento frio pela pequena fresta de uma certa janela da Universidade de Oxford. Dentro de um cômodo rústico, porém bem organizado, uma figura magra encostava um cotovelo sobre sua mesa enquanto escrevia algo.
Uma carta, em resposta a um velho amigo, quase irmão.
Querido Klaus,
Estou bem, e fico feliz em ouvir que você e Karma estão conseguindo se estabelecer com sucesso. Desejo coisas boas para ambos, e espero poder vê-los em breve.
Eu estou trabalhando em várias pesquisas de professores e cientistas em Oxford. Uma certa minoria parece não ter nada contra minha presença no campo acadêmico, enquanto alguns não gostam de dividir esse espaço, especialmente com alguém que não acham competente. O que importa é que consigo continuar pesquisando, independentemente do que aconteça.
Os cabelos loiros da mulher voaram um pouco em sua face com a brisa vinda de fora, e ela se levantou para fechar a janela antes de voltar a escrever.
O cômodo que me arranjaram nas dependências da universidade é pequeno, mas aconchegante. As refeições que chegam para mim são ótimas também, assim como meu ambiente de pesquisa é devidamente organizado. Tudo isso foi graças ao Professor Watershire, o qual parece apoiar minha permanência aqui com muita convicção. Alguns já me disseram que ele é alguém sem preconceitos, e com "uma mente aberta às vastas possibilidades desse mundo". Acho que devo muito a isso.
Eu ainda não pude visitar outros locais do país, mas ouvi dizer que Londres é magnífica, e sinto que a vida por aqui costuma ser pacífica. A guerra deixou alguns por aqui com sentimentos negativos em relação aos alemães, então recomendo que tome cuidado caso queira visitar um dia. Eu adoraria recebê-lo junto de Karma, mesmo não tendo muito a oferecer. De qualquer forma, a acomodação ainda é maior que a que chegamos a dividir na época em que estávamos em Nocturna. Enfim, talvez não possamos sequer nos encontrar em Oxford, já que é possível que o Professor Watershire seja transferido para a Itália por um tempo. Nesse caso, eu teria de ir com ele.
Ela para. Sua mão deixa a caneta descansando suavemente no canto da mesa, depois vai até a outra e começa a mexer com os dedos, arrancando pedaços de pele perto das unhas, como de costume. A perspectiva de se mudar, embora não fosse estrangeira para o cérebro da russa, não a agradava. Já havia sofrido demais nas mãos de mudanças.
Seu dedo indicador dói, e ela percebe que sangrava um pouco. Um pingo mancha o papel em que escrevia suavemente.
Ao redor da mancha, a loira começa um desenho bobo, verdadeiramente um rabisco. Com alguns pequenos riscos, ela forma a imagem de um gato que tem a pequena mancha de sangue como a almofadinha de sua pata levantada. Fazendo uma seta, ela indica o animal e escreve "котенок".
Gatinho.
Como pode notar ao receber esta carta, ela foi entregue por um garoto. O nome dele é Zachariel, mas ele prefere ser chamado apenas por Zac, e ele foi salvo por Alistair em sua viagem à Islândia. Aparentemente, são irmãos por parte de algum dos pais, mas você já deve saber que Alistair não fala do passado. Bem... Zac tampouco o faz.
Por falar nisso, acho importante dizer que Alistair e Kosuke estão bem. Alistair mora com Gwenna, e eles parecem felizes. Kosuke ainda serve como juramentado de Nocturna, e ainda cozinha muito bem. Outros antigos amigos também estão bem, cada um seguindo sua trajetória em algum lugar. Espero que esse continue sendo o seu caso, e que o amor seja uma constante em sua vida. Como você disse antes, eu também o amo, Klaus. Sinto sua falta igualmente.
Espero que possamos conversar em nosso silêncio de novo.
Um barulho chama a atenção dela, fazendo com que levante os olhos heterogêneos na direção do som. Zachariel estava do lado de fora, esperando que a janela fosse aberta para entrar. Um gato que passava por ali agarrou o casaco pesado do adolescente, puxando o tecido para si enquanto Zac reclamava.
A russa foi até o local rapidamente, abrindo a janela e pegando o gato em seus braços, o qual automaticamente se acalmou e ronronou. Zac o olhou com velada indignação.
— Tudo bem, senhorita? Quer que eu leve mais algo fora a carta? — o jovem perguntou educadamente.
— Por favor, use esse dinheiro para comprar algo, caso precise durante a viagem.
Ela o ofereceu um envelope com uma quantia considerável dentro.
— Eu... não posso aceitar, senhorita. Meu irmão me deu dinheiro suficiente, então não é necessário gastar mais comigo.
A loira sorriu suavemente, insistindo na oferta com a mão estendida.
— Então peço que compre algo para Klaus no caminho. Que tal?
Zachariel parecia pensar um pouco antes de aceitar calmamente, a dizendo que atenderia ao pedido.
— Tudo pronto?
— Sim.
A mulher deixou o gato no chão, o qual encarava o garoto do outro lado da janela como se fosse atacá-lo. Zac o olhou com uma mistura de desdém e medo antes de voltar à costumeira expressão de serenidade, apenas para poder receber a carta da russa à sua frente. Porém, ela repentinamente parece se assustar com algo.
— Desculpa, preciso assinar. É rápido.
Em pouquíssimos segundos, ela alcançou a caneta na mesa e a trouxe para poder escrever as últimas palavras sobre o papel apoiado na parede.
Atenciosamente,
Irina Aslanov.
— Pronto.
Irina estendeu a carta para Zachariel, mas um vento especialmente forte atingiu o campus. Arregalando os olhos, a mulher sentiu sua garganta apertar ao ver o papel voando para longe da janela, em direções erráticas.
Não conseguiu dizer nada, mas quando foi se desculpar com o adolescente, foi de encontro a outra surpresa.
Zac havia tirado o casaco pesado, de forma tão apressada que bagunçara sua camisa anteriormente ensacada. Correndo velozmente, um par de asas nas costas do jovem se abre com força, e ele salta para alcançar a carta.
Existia um paradoxo entre desastrado e majestoso naquela cena.
Agarrando o papel, Zac cai no chão. O barulho da pancada faz Irina franzir o rosto.
Apesar da dor, o garoto lembra-se de encolher as asas e cobrir as costas com o casaco o mais rápido possível. Aslanov suspira aliviada pela inatividade naquela área do campus, e naquela data e hora.
— Eu irei partir agora, senhorita. — ele disse, arfando pela queda de antes — Não posso perder o trem.
Irina assentiu, lembrando-se de cobrir sua franja com as mãos em meio à ventania. Precisaria voltar a usar chapéus nesse tempo para esconder os minúsculos chifres de qualquer olhar curioso.
— Boa viagem, Zac. — sorriu — E pode me chamar de Irina, se quiser.
O garoto sorriu de volta, um tanto tímido.
— Certo, assim farei, Irina
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Arquivo; Axis
General FictionUm amontoado de histórias sobre as vidas de Alistair, Irina, Kosuke e Zac durante os anos 1900s.