Capítulo Um: Minha Cruel Realidade

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Onze Anos Atrás.

Era uma noite comum. A casa estava silenciosa, como sempre, envolta por aquela calma densa que me fazia sentir pequena e invisível. Eu me sentia segura ali, entre as paredes antigas, como se nada no mundo pudesse me atingir, mas ao mesmo tempo... algo sempre parecia faltar. O toque do mundo ao meu redor nunca chegava a mim de verdade. Eu sabia que as pessoas sentiam o chão frio nos pés, o calor de um cobertor ou a dor de um arranhão, mas para mim, era tudo distante, como se eu estivesse do outro lado de um vidro espesso.

Naquela noite, meus pais estavam ocupados na sala de estar. A luz amarelada e fraca escapava por baixo da porta, lançando sombras na escada que levava ao segundo andar. Eu estava no meu quarto, encolhida debaixo das cobertas, tentando ignorar o sentimento estranho que me rondava. Havia algo no ar — uma tensão que eu não conseguia explicar, mas que parecia se arrastar pela casa, como se estivesse espreitando.

Foi então que ouvi. Sussurros.

No início, pensei que era apenas o vento, ou talvez meus pais conversando em outro cômodo. Mas os sons vinham de baixo. Do porão. Fiquei imóvel por um tempo, tentando entender o que estava ouvindo. Eram vozes, mas não como as que eu estava acostumada. Eram cochichos, mas incompreensíveis, como se uma língua antiga estivesse sendo falada, algo que não pertencia a este mundo.

A curiosidade sempre foi meu ponto fraco. Mesmo quando algo me assustava, eu não conseguia evitar. Então, deslizei para fora da cama, com cuidado para não fazer barulho, e saí do quarto. O corredor parecia mais longo naquela noite, e cada passo que eu dava parecia mais pesado. Mas os sussurros continuavam, cada vez mais intensos, como se me chamassem. O porão era um lugar que eu raramente visitava, sempre abafado, cheio de poeira e caixas antigas que cheiravam a coisas que nunca deveriam ser abertas. Mas naquela noite, algo lá embaixo parecia vivo.

Desci as escadas com o coração acelerado. Meus pés descalços eram silenciosos no assoalho de madeira, e conforme me aproximava da porta do porão, os sons ficavam mais claros, mas ainda assim incompreensíveis. Eu podia ouvir o murmúrio das vozes, como se estivessem discutindo algo entre si, algo que eu não estava pronta para entender.

Empurrei a porta com cuidado, tentando não fazer barulho, mas a madeira velha rangeu, e eu prendi a respiração. O porão estava mergulhado em sombras, iluminado apenas por uma luz fraca e tremeluzente. As vozes estavam ali, mas agora havia mais do que sussurros. Eu vi a silhueta de alguém ao fundo, movendo-se entre as sombras. Minha avó.

Ela estava ajoelhada no chão, cercada por velhos livros e objetos que eu nunca tinha visto antes. Havia velas espalhadas ao seu redor, e um brilho estranho emanava de algo em suas mãos. Meu coração batia rápido, e eu sabia que estava entrando em algo que não deveria. Mas não consegui parar.

— Vovó? — Minha voz saiu baixa, hesitante.

Ela se virou lentamente, sem surpresa no olhar, como se já soubesse que eu estava ali. Seu rosto estava parcialmente coberto pela sombra, mas seus olhos brilhavam com uma intensidade que eu nunca havia notado antes.

— Haru… — Ela disse, sua voz tranquila, mas carregada de algo que eu não conseguia decifrar. — Eu não esperava que você descesse até aqui.

Eu queria perguntar o que ela estava fazendo, o que eram aquelas coisas ao seu redor, mas antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, tropecei em uma das caixas empilhadas ao lado da porta. Um vaso antigo, de vidro fino, caiu da prateleira, estilhaçando-se no chão com um som agudo que ecoou pelas paredes. Instintivamente, abaixei para pegar os pedaços, mas foi só quando vi o sangue que percebi o corte em minha mão.

Olhei para a ferida aberta com um misto de fascínio e frustração. Não doía. Eu sabia que deveria doer, sabia que uma criança normal estaria chorando agora, mas tudo o que eu sentia era... nada. O sangue escorria pelos meus dedos, quente e vermelho, mas para mim, era apenas mais um lembrete de que algo em mim estava errado.

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⏰ Última atualização: Sep 28 ⏰

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