"O homem produz o mal como as abelhas produzem mel."
— William Golding, O Senhor das MoscasDesde quando me vi a escolher entre duas respostas, em que momento pedi para não aceitar algo? Talvez uma causa para depois uma consequência. O que era para me atingir? Sempre almejei tanto essa aventura, por que não posso tê-la? Aliás, nunca cheguei tão alto. Sempre decepcionei as pessoas; elas me olham com aquele olhar de desaprovação. Preciso me provar? Entre ruínas e fascínios de mentiras, planto minha semente de dores, para talvez um dia florescer como uma linda flor amargurada, como eu.
Me olho no reflexo dos olhos verdes dela, pensando no que dizer. Qualquer resposta me parece vaga. Recusar uma aventura, não viver na miséria do capitalismo ou aceitar e talvez ter uma história para contar quando estiver em um bar, e alguém perguntar por que tanto tempo sentado naquela cadeira com marcas de nádegas. Estou olhando para frente e vejo duas pílulas: sair da Matrix ou continuar nela, sabendo que poderia ter vivido tudo o que sonhei, tudo o que pedi.
Somente uma escolha, e ela é o que vai me consumir ao longo do tempo. Pesa na balança de Anúbis... para qual lado irá? Sou verme, sou lobo do homem, sou o vazio que me preenche de questões vagas e frias, de arrepiar.
Ela toca minha mão fria, semelhante à de um morto. Sua mão está quente, como se estivesse perto de uma lareira, aquecendo como nunca antes. Olho para ela e vislumbro as consequências, como se fosse um teatro. Me lembra uma tragédia grega. Ela pede o "sim", como eu imploro em minha mente e grito por dentro.
O vagão passa da minha parada. Toco em seus ombros macios e sinto a necessidade de me sentir. Aproximo-me de seu ouvido, com uma voz baixa, mesmo naquele vagão lotado, consigo falar em sussurro. Coloco seus lindos cachos para trás da orelha, toda cheia de piercings e brincos:
— Não consegui recusa, além do mais eu deixei a minha parada para trás.
Ela sorri, ainda segurando minha mão, e vai até duas cadeiras, me puxando junto, como se fôssemos um só, um pequeno vagão dentro de outro. Sentamos e olhamos um para o outro. Ela sorri, e eu sinto que não há mais por que pensar, mas a minha mente já se foi para longe: ao sul, leste, oeste, norte... ou melhor, para o horizonte, apaziguada como uma boa brisa. Também sorrio. Olho para ela, pego suas mãos macias e quentes, e falo contando as palavras, devido ao nervosismo que me cerca:
— Para onde vamos? Sem rumo e sem espaço para...
Ela não me deixa terminar e, segurando firme a minha mão, responde:
— Não precisamos viver nesse loop cotidiano. A liberdade é a gente que escolhe. Estamos aqui prontos para viver intensamente. Você se permite?
Sorrio e mostro a tatuagem no meu braço: o símbolo do anarquismo, um grande "A". Olhando para a tatuagem e depois diretamente para seus olhos, digo:
— Me permitir ter uma dose de vida? A vida foi feita para viver, não para nos prender como à forma que a sociedade quer. Sair da caverna seria um imensurável desafio, mas é isso que queremos.
Ela me observa com atenção, conhecendo todas as citações que faço. Penso que talvez sejamos almas condenadas a viver juntas, ao menos por uma vez. Ela se levanta, e eu a acompanho sem perder um movimento, sem a impressão de perda.
Saímos na faixa amarela. Descemos e visualizamos muitas coisas que não perceberia em um dia normal: pessoas cheias de questões mal resolvidas e problemas que escorrem por suas vidas sem culpa. Ambulantes sem rumo e histórias que seria ótima para livro e moradores daquele local que foram deixados para viver com ratos, bactérias e lixo. A sujeira que se acumula... as pessoas passam e nem sequer dão uma esmola para ajudar. Uma sociedade asquerosa, como eu. Mas hoje era diferente, algo incomum: decidi seguir o que eu quero.