Desvio.

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A luz do sol filtrava-se pelas cortinas da sala, criando um padrão suave no chão. Clara suspirou ao ver os brinquedos espalhados pelo chão. O cheiro do café fresco invadia o ar, e ela olhou para o relógio, percebendo que estava atrasada.

- Clara! Você já está pronta? - gritou Lucas da cozinha, sua voz soando como um alerta.

Ela deu um último olhar para o espelho, tentando arrumar o cabelo bagunçado.

- Só um minuto! - respondeu, amarrando rapidamente os cabelos em um coque despretensioso.

Quando entrou na cozinha, viu Lucas sentado à mesa, concentrado no celular.

- Você não pode ficar sempre com esse telefone na mão, Lucas. Estamos juntos agora. - Clara falou, servindo-se de café.

- Estou só verificando algumas coisas do trabalho. Não é como se você tivesse algo mais interessante para fazer. - Ele respondeu sem olhar para ela.

Clara franziu o cenho, um leve desgosto crescendo em seu peito.

- Acha que eu só faço tarefas domésticas? Eu também trabalho! - disse, colocando a xícara com um pouco de força sobre a mesa.

- É isso que você escolheu. Não sou eu quem quer que você fique em casa. - Lucas disse, finalmente olhando para ela.

- Eu não escolhi isso! - Clara respondeu, a frustração começando a transparecer. - Eu só queria...

- O que? O que você queria, Clara? - Lucas interrompeu, com uma expressão de impaciência. - Você tem responsabilidades agora.

Aquelas palavras a atingiram como um soco no estômago. Clara se virou, tentando evitar que ele visse as lágrimas que se formavam em seus olhos.

- Eu amo ser mãe, mas... - ela hesitou, buscando as palavras. - Isso não significa que eu não possa ter uma vida além disso.

- Clara, você não precisa querer mais. A vida não funciona assim! - Lucas disse, exasperado.

Ela respirou fundo, tentando manter a calma.

- Só quero sentir que sou mais do que isso. - Clara murmurou, sua voz quase inaudível.

- Você é uma boa mãe e uma boa esposa. Às vezes, precisamos abrir mão de certas coisas. - Lucas respondeu, cruzando os braços.

- Como assim, abrir mão? Você acha que meu sonho de ser algo mais não importa? - Clara questionou, levantando a voz involuntariamente. - Eu não quero passar a vida toda aqui, apenas cuidando da casa!

- Se você quisesse algo diferente, teria feito por onde. - Lucas rebateu, sua expressão se tornando defensiva. - Não adianta reclamar agora.

Clara sentiu a raiva fervendo dentro dela.

- Você acha que é fácil? - ela gritou, as palavras escapando antes que pudesse contê-las. - Eu estou fazendo o melhor que posso, mas isso não significa que eu não tenha sonhos!

- Mas os sonhos custam dinheiro, Clara! - Lucas respondeu, levantando a voz. - Como você pretende bancar tudo isso?

- Você está tão preso às suas ideias machistas que não consegue ver que eu sou capaz de mais! - Clara exclamou, o rosto quente de indignação.

- Machista? - Lucas riu sarcasticamente. - Você não faz nada além de cuidar da casa e do nosso filho. Eu trabalho duro para sustentar essa família!

Aquelas palavras cortaram como uma faca. Clara se afastou, tentando controlar a respiração, mas a tristeza e a raiva a invadiram.

- E você não consegue ver que eu também quero fazer parte disso? Que eu quero algo mais? - Clara disse, a voz agora baixa, mas carregada de emoção. - Você só vê a sua verdade.

Clara se virou, sentindo a pressão das contas acumuladas e as promessas não cumpridas. Em silêncio, pegou sua bolsa e saiu pela porta. O sol brilhava lá fora, mas sua mente estava em um turbilhão.

Enquanto caminhava até a joalheria, o peso das contas atrasadas e as expectativas a acompanhavam. O coração batia forte no peito, e ela sabia que não havia outra opção: precisava penhorar sua aliança de casamento. O anel que simbolizava seu amor agora se tornara uma solução para suas dificuldades financeiras.

Ao entrar na joalheria, o brilho das joias a cercou, mas Clara só tinha um foco em mente: a aliança que brilhava em seu dedo.

- Oi, posso ajudar? - perguntou Rael, o atendente, ao vê-la entrar. Havia algo em seu olhar que fez Clara sentir um frio na barriga.

- Sim, eu... preciso penhorar isso. - disse Clara, apontando para a aliança. Sua voz tremia, e o coração acelerava, sentindo que estava deixando um pedaço de si para trás.

Rael a observou por um momento, notando a hesitação em seu olhar.

- Claro, deixe-me ver. - ele respondeu, enquanto Clara retirava o anel do dedo, sentindo uma onda de tristeza invadir seu coração.

Aquele gesto simbolizava não apenas sua luta atual, mas também os sonhos que pareciam distantes. O que mais ela teria que abrir mão para tentar sobreviver?

Enquanto Rael avaliava a aliança, Clara se perguntava se ainda haveria espaço para seus próprios sonhos em meio às exigências da vida cotidianas.

RUPTURA, ROMPEOnde histórias criam vida. Descubra agora