O Pacto das sombras

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Lily sempre achou que o silêncio da madrugada fosse reconfortante. Era o único momento em que conseguia realmente ouvir seus pensamentos, como uma sinfonia particular, longe do barulho incessante da cidade e das demandas do cotidiano. A velha casa que ela herdara de sua avó ficava no topo de uma colina, cercada por um vasto campo de flores silvestres. Todas as noites, antes de dormir, ela gostava de caminhar por aquele campo, onde o cheiro de terra molhada e lavanda a envolvia.

Mas, naquela noite, algo estava diferente.

A lua cheia pairava no céu como um guardião silencioso. Lily caminhava com seu usual casaco de lã, sentindo a brisa fria da noite acariciar seu rosto, quando percebeu algo à distância — uma silhueta parada no meio das flores. Seu coração pulou, os olhos tentando ajustar-se à escuridão. Nunca havia visto ninguém naquele horário.

"Quem estaria aqui, a esta hora?", ela pensou, diminuindo os passos, o corpo todo tenso.

A silhueta era de uma mulher, ou pelo menos assim parecia. Seus longos cabelos voavam com o vento, e o vestido branco flutuava como uma névoa. Lily ficou imóvel, o instinto lhe dizendo para voltar, mas algo a mantinha ali, como se estivesse presa por um fio invisível.

"Olá?" — sua voz saiu baixa, quase um sussurro. A figura não respondeu, permanecendo de costas para ela.

Lily hesitou por mais alguns segundos, o corpo dividido entre a curiosidade e o medo crescente. Decidiu se aproximar. Cada passo parecia mais pesado do que o anterior, como se o campo de flores, antes tão familiar, estivesse de repente se transformando em um lugar desconhecido e perigoso.

Quando ela estava a poucos metros da figura, um arrepio percorreu sua espinha. A mulher girou lentamente, revelando um rosto que não era exatamente humano. Seus olhos eram negros como o abismo, sem qualquer traço de vida, enquanto sua pele parecia pálida demais, quase translúcida.

Lily recuou, sentindo o pânico crescer. Mas antes que pudesse fugir, a mulher falou, sua voz etérea e fria:

— Você também está presa aqui, não está?

A pergunta fez o sangue de Lily gelar. Presa? O que aquilo significava?

— Eu... eu não sei do que você está falando — respondeu Lily, a voz trêmula. — Quem é você?

A mulher inclinou a cabeça, como se estivesse considerando sua resposta.

— Eu sou aquilo que restou — disse ela, em um tom enigmático. — Aquilo que sua avó tentou esquecer.

Lily parou, o nome de sua avó ecoando na escuridão. Como aquela mulher sabia sobre ela? E o que sua avó teria a ver com aquilo? O medo deu lugar à confusão, e ela balançou a cabeça, tentando entender.

— Minha avó? O que você quer dizer com isso?

A mulher deu um passo à frente, e Lily recuou novamente.

— Sua avó fez um pacto — sussurrou a mulher. — Um pacto para proteger você. Mas tudo tem um preço, e agora esse preço recai sobre você.

Lily sentiu um frio subir pela espinha, como se cada palavra tivesse o poder de moldar a realidade ao seu redor. Pactos? Preços? Sua avó nunca mencionara nada disso. A velha mulher sempre fora reservada, mas isso... isso parecia uma história saída de um pesadelo.

— Eu... eu não acredito em você — Lily disse, tentando soar firme, mas falhando miseravelmente.

— Você não precisa acreditar — respondeu a mulher, seus olhos negros cravados em Lily. — Você já está envolvida.

Antes que Lily pudesse responder, a mulher estendeu a mão pálida. Algo invisível e poderoso agarrou Lily, puxando-a para mais perto. O campo de flores ao seu redor parecia desaparecer, engolido pela escuridão, enquanto sua mente tentava resistir ao torvelinho de imagens que agora invadiam sua consciência.

Ela viu flashes de sua avó, muito mais jovem, caminhando por aquele mesmo campo. Viu-a ajoelhada entre as flores, murmurando palavras que Lily não conseguia entender, como se estivesse invocando algo. E então, viu a mulher de vestido branco, surgindo das sombras, tal como naquela noite.

O pacto.

Lily tentou gritar, mas nenhum som saiu de sua garganta.

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Notas do autor:

Bjs💞

Flores ao Anoitecer Onde histórias criam vida. Descubra agora