Flores ao Anoitecer

O ciclo do sacrifício

As palavras ecoavam na mente de Lily: "Sua liberdade." A mulher de vestido branco havia desaparecido, mas o significado daquela sentença permanecia. O diário de sua avó estava aberto em suas mãos, e a sensação de que o tempo estava se esgotando a envolvia como um manto pesado.

Lily sentou-se no chão do sótão, folheando rapidamente as últimas páginas, procurando qualquer pista sobre o sacrifício mencionado. Sabia que a resposta estava ali, escondida nas entrelinhas das anotações que sua avó fizera, e que seria sua única chance de evitar o destino que a aguardava.

"Eu encontrei a solução," escreveu sua avó em uma das últimas páginas. "Mas o custo é alto. A mulher de branco não é uma inimiga, mas um reflexo do que somos capazes de fazer para proteger aqueles que amamos. Ela veio até mim, da mesma forma que virá até Lily. Há um portal entre os mundos, um lugar onde a maldição pode ser quebrada, mas a chave para acessá-lo é algo que não sei se minha neta será capaz de oferecer."

Lily respirou fundo. Um portal entre mundos? Como algo assim poderia ser real? No entanto, depois de tudo o que havia visto e sentido, não restavam dúvidas de que sua avó estivera envolvida com forças além da compreensão.

Determinada a encontrar respostas, Lily desceu do sótão e foi até o jardim. As flores que dançavam ao vento pareciam agora mais sinistras, como se fossem testemunhas silenciosas de algo que havia acontecido muito antes de ela nascer. No centro do campo, um círculo de pedras antigas, cobertas por musgo, formava uma espécie de altar natural. Era um lugar que sua avó sempre dizia para ela evitar, mas Lily agora sabia que ali estava a chave.

Com o diário em mãos, ela se aproximou do círculo de pedras. A sensação de ser observada era inegável, mas ela ignorou o arrepio que subia por sua espinha. A luz da tarde começava a desaparecer, e uma neblina fina se espalhava pelo campo, como um véu separando o mundo real de algo muito mais profundo e perigoso.

Lily começou a recitar as palavras escritas na última página do diário, uma mistura de antigo e moderno, de sons que pareciam familiares e, ao mesmo tempo, estrangeiros. Conforme falava, o ar ao seu redor pareceu vibrar, como se o próprio espaço estivesse mudando.

De repente, o círculo de pedras brilhou com uma luz fraca, e no centro, uma fissura se abriu no chão, revelando o que parecia ser um portal — um vórtice que girava lentamente, envolto em sombras e luzes trêmulas. Lily sentiu o coração acelerar. Ali estava. O portal que sua avó mencionara.

Antes que pudesse tomar uma decisão, a figura da mulher de branco surgiu novamente, agora ao lado do portal, observando-a em silêncio. Seus olhos negros pareciam mais profundos do que nunca.

— Este é o momento, Lily — disse a mulher, sua voz agora mais calma, quase suave. — Para quebrar o ciclo, você deve atravessar o portal. Mas saiba, uma vez que o fizer, não poderá voltar.

Lily engoliu em seco, sentindo o peso da escolha. Ela sabia o que estava em jogo. Se não atravessasse, a maldição continuaria, e a mulher de branco voltaria para cobrar sua dívida. Se atravessasse, perderia sua liberdade para sempre, talvez até sua própria identidade.

— O que eu vou encontrar do outro lado? — Lily perguntou, hesitante.

— O que você precisa para acabar com o pacto — respondeu a mulher. — Mas também o que você teme. O sacrifício não é apenas físico, Lily. É algo mais profundo.

Lily olhou para o portal, o vórtice de sombras girando lentamente, como se estivesse esperando por ela. O medo era palpável, mas junto a ele, havia uma chama de coragem. Tudo o que sua avó havia feito fora para protegê-la, e agora estava nas mãos de Lily decidir como lidar com o legado sombrio que herdara.

Ela respirou fundo e deu um passo à frente. O vento ao redor ficou mais forte, o ar mais denso. Ela sabia que essa decisão mudaria tudo. E com o coração acelerado e a mente inundada por dúvidas, Lily atravessou o portal.

A sensação foi como cair em um abismo, seu corpo sendo puxado por forças invisíveis. Por um instante, ela não sentiu nada, apenas escuridão. Mas logo seus pés tocaram o solo novamente, e ela estava em um lugar completamente diferente.

O outro lado do portal era um campo de flores morto, as pétalas murchas e as hastes quebradas, como se o lugar tivesse sido abandonado há muito tempo. No centro do campo, uma árvore solitária se erguia, sua copa seca, sem vida. E ao pé dessa árvore, havia uma figura sentada, imóvel.

Lily se aproximou cautelosamente, reconhecendo a forma da figura. Era uma mulher, vestida de branco, mas não a mesma que ela havia encontrado antes. Essa mulher era mais jovem, com cabelos dourados emaranhados e pele pálida. Quando Lily se aproximou, a mulher levantou os olhos lentamente, revelando um rosto cansado, marcado pelo tempo e pela dor.

— Você finalmente veio — disse a mulher, sua voz fraca, mas familiar. — Eu esperei por tanto tempo.

Lily sentiu um nó se formar em sua garganta. Essa era sua avó. Não como a conhecera, mas como uma versão mais jovem, aprisionada naquele lugar.

— O que aconteceu com você? — Lily perguntou, ajoelhando-se ao lado dela.

— O pacto me trouxe até aqui — disse sua avó, os olhos fixos no horizonte vazio. — Este é o preço que paguei para proteger você. Mas agora, só você pode libertar nós duas.

Lily soube, naquele momento, que seu sacrifício estava apenas começando.

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Notas do autor :

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Bjs💞