Palavras do vento

1: Garota quebrada.

Ana é uma garota quebrada. Uma boneca de porcelana que caiu da prateleira. Ela já não sorri mais, nem olha nos olhos das pessoas. Mas não lhe faltam boca ou olhos.

Ana é uma garota quebrada. Uma boneca de carne e osso que se jogou contra uma vidraça e risca os pulsos com lâminas perdidas.

Ana é uma garota quebrada. Ela está prestes a se tornar cacos de si mesma. Basta dar um passo à frente.

Com oceanos nos olhos, ela olha para baixo. Um poço de esquecimento profundo. Naquele momento decisivo, lembranças de um outro tempo lhe vem.

Joelhos ralados, cabelos mal cortados, brinquedos quebrados, risadas perdidas. E as bonecas. Nenhuma de carne e osso, nenhuma de porcelana, nenhuma quebrada. Lindas bonecas de plástico e cores vibrantes. Ana pensa sobre si, a única boneca quebrada. Um suspiro cansado deixa seu corpo. Ela dá um passo para trás.

Ana é uma garota quebrada. Uma boneca de porcelana que vai colar os próprios cacos com a cola das lembranças do passado. Uma boneca de carne e osso que vai cobrir seus cortes com os band aids multicoloridos que usava na infância.

Ana já não é mais uma garota quebrada. É uma garota com cicatrizes. Cicatrizes de uma vida antes doce e agora amarga. Uma garota que pelas lembranças do passado, foi salva.