Morana - Part. 1

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Viver em um pedaço de terra esquecido como a Ilha do Norte tinha suas vantagens. Mas minha mãe e eu tínhamos um jogo chamado "Atire a primeira pedra". E em todos os a nos desde que criamos esse jogo, ele consistia em, basicamente, listar as inúmeras desvantagens que essa terra devastada nos proporcionava.

Até hoje, eu nunca ganhei da minha mãe.

O lugar era uma mistura de densas florestas e cidades arruinadas. O "Centro" como costumávamos chamar era habitado por cerca de treze mil pessoas. Treze mil pessoas que viviam amontoadas em quartos cinzas de 25m² com direito a três beliches por quarto, uma pia, um chuveiro e um vaso sanitário que mais parecia uma panela. Não era um lugar cheiroso, muito menos bonito.

As pessoas viviam com as roupas rasgadas, os cabelos sujos e desgrenhados, e isso que eu nem cheguei a comentar sobre a saúde bucal de alguns outros. Mas era isso ou morríamos, embora eu na minha "ignorância adolescente" como meu pai costumava chamar, acreditava que algumas pessoas que cruzavam meu caminho no pequeno espaço de terra onde podíamos transitar, realmente esperavam ansiosa e alegremente o chamado da morte. E só de pensar nisso um calafrio desceu por toda a minha espinha.

Dentro da cidade, ou pelo menos a ideia do que tínhamos sobre o que era uma cidade, tínhamos algumas estruturas. Uma escola, uma espécie de hospital, ainda que muito arcaico, e o lugar que considerávamos mais importante, o refeitório comunitário. Era nesse refeitório onde os jovens nascidos na Ilha que ainda possuíam um pouco de vontade de viver realizavam seus eventos, suas festas, seus encontros. Era deprimente.

Deprimente na verdade beirava um eufemismo, eu me sentia incomodada e era inundada de uma vergonha alheia sempre que via pessoas desconhecidas tentando implementar um clima de romance em uma espelunca como essa. Mas ver a minha melhor amiga vomitar arco-íris por um rapaz nessa mesma situação desafiava as leis da probabilidade.

Eu encarei Katarina sentada do outro lado do refeitório, observando-a sorrir como se tivesse ganhado no Sorteio Anual. Era incomodo de uma forma que eu não conseguia nem explicar.

Apesar de estar feliz pelo fato de a minha melhor amiga ainda ter um pouco de fé nas coisas simples da vida, a situação me enojava, viver aqui tirava todas as oportunidades simples e características de uma juventude normal, afinal de contas, será mesmo que tudo que merecíamos era um encontro rodeado de pessoas doentes, fedidas e gozando de uma estrutura porca feito essa? Sinceramente, era isso que me esperava pelo resto da minha vida?

Eu devia realmente, como tem feito a minha melhor amiga, aceitar que talvez o meu futuro marido seja uns anos mais velho, com uns dois dentes a menos e um cabelo que pingava óleo? Cada um desses pensamentos fazia meu estomago dar cinco voltas completas antes de eu quase colocar todo o almoço de hoje para fora. De todo modo, as coisas pareciam bem, o rapaz com quem Katarina estava não parecia ser um assassino e aparentemente ela não corria nenhum perigo, então eu poderia discretamente me levantar, sair e aguardá-la na pequena praça que marcava o centro do Centro, por mais redundante que soasse.

Eu estava pronta para fazer isso, espalmei ambas as minhas mãos na mesa branca e caindo aos pedaços onde apoiávamos as bandejas de comida, passei a minha perna direita pelo banco, depois a esquerda, dei dois passos em direção a saída e escutei minha melhor amiga gritar. Não era anormal, Katarina era uma pessoa escandalosa e barulhenta naturalmente, parecia uma serotonina ambulante. Mas nós crescemos em meio a pobreza, desespero, medo e criminosos.

Era um grito de socorro.

Me virei rapidamente e vi Katarina sendo arrastada a força para um canto qualquer do Refeitório. As pessoas, como sempre, não pareciam se importar com nada que não as prejudicasse, até porque, situações como essa, em um lugar como esse, eram rotina. Corri em direção a minha amiga e vi quando o homem tentou tapar a boca dela, sendo recompensado com uma mordida que deve ter doido bastante. Apesar de ingênua, Katarina não era indefesa, nossos pais fizeram questão de nos ensinar a nos defender desde muito cedo e, apesar de não levar os treinos tão a sério quanto eu, Katarina podia fazer um estrago considerável.

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