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A chuva fina tamborilava nas janelas sujas do sanatório de Arkham, enquanto o vento uivava pelos corredores escuros e úmidos. O ar era denso, carregado de mofo e desespero,
impregnando o ambiente com uma frieza que fazia cada respiração parecer pesada. Harleen Quinzel estava sentada em sua pequena sala de paredes bege desbotadas, cercada por livros empilhados e papéis espalhados. Era uma mulher de estatura mediana, esguia, com cabelos loiros perfeitamente presos em um coque apertado. Usava um jaleco branco, sem nenhum vinco, e seu perfume era forte e amadeirado, um contraste gritante com o cheiro de desinfetante do sanatório.

Na tela do seu laptop, o título do projeto de pós-doutorado destacava-se no alto do documento: "A Fragmentação da Mente: Um Estudo sobre Alter Egos e Identidade". Harleen digitava com agilidade, os dedos finos correndo pelo teclado, os lábios pintados de vermelho se curvando levemente enquanto ela refletia sobre as nuances de sua pesquisa. Por trás de cada comportamento desviado, há um fio que conecta a razão à loucura. E se um homem, quebrado em mil pedaços, pudesse se transformar em algo mais? Em alguém mais?
Será que existe um eu além do eu? Pensou, enquanto seus olhos se voltavam para a pasta desgastada sobre a mesa. O nome "Arthur Fleck" estava destacado na capa, com registros de sessões, anotações pessoais e observações que ela relia obsessivamente.

Diante dela, havia um presente cuidadosamente embrulhado. Era um baralho de cartas antigo,desgastado pelo tempo, com um símbolo sutil de uma carta coringa. Ela ajeitou a embalagem, ajeitou a lapela do jaleco e esperou. O relógio na parede marcava cada segundo, até que, finalmente, ouviu passos pesados ecoando do lado de fora.

A porta da sala abriu-se com um estrondo, e um guarda entrou, empurrando Arthur Fleck adiante. O guarda era um homem corpulento, com músculos tensionados sob o uniforme cinza que já não lhe servia bem. Tinha um rosto avermelhado e suado, como se estivesse sempre irritado, e o cheiro de cigarro barato se misturava ao suor que impregnava sua roupa.
"Você tem que parar de dar tanta confiança pra ele, doutora," disse o guarda, a voz rouca e carregada de desprezo. Ele lançou um olhar cruel a Arthur, que mal conseguia manter o equilíbrio, tropeçando para dentro da sala. "Sabe o que ele fez com a última terapeuta, não sabe?"

O guarda deu um sorriso torto antes de sair, fechando a porta com força. Harleen manteve o rosto sereno, como se as palavras do guarda não tivessem qualquer importância. Ela ajustou os óculos de aro fino no nariz e fez um gesto sutil para que Arthur se sentasse.
Arthur Fleck era um homem magro, com a postura encurvada de alguém que carrega um peso invisível sobre os ombros. O uniforme de paciente, uma calça desbotada e uma camisa de algodão amarela desbotada, parecia grande demais para seu corpo. Tinha cabelos castanhos desgrenhados, que caíam em desalinho sobre a testa. A pele era pálida, marcada por olheiras profundas, como se ele não conhecesse o descanso. Seu cheiro era uma mistura de suor e algo azedo, que lembrava alguém que já não se importava com as próprias aparências há muito tempo. Arthur se sentou na cadeira à frente da mesa de Harleen, tentando esconder as mãos trêmulas.

Ele abaixou a cabeça, mas não antes de lançar um olhar rápido para ela, como se estivesse buscando algum sinal de humanidade em seu rosto. "Arthur, pensei que você gostaria disso", disse Harleen, com um sorriso que parecia calculado. Ela empurrou o presente pela mesa até ele. Sua voz era suave, quase melódica,
mas havia uma frieza subjacente, uma precisão em cada palavra escolhida.

Arthur piscou, surpreso, antes de pegar o embrulho. Sua voz saiu baixa, trêmula. "Para mim" Eu... ninguém me dá nada há muito tempo." Ele desembrulhou o presente devagar, com cuidado, como se temesse que o momento se desfizesse a qualquer instante. Ao ver o baralho, seus olhos se encheram de um brilho que beirava o infantil. Passou os dedos pelas cartas, sentindo a textura áspera de cada uma.
"Isso é... legal. Obrigado, doutora. Ninguém nunca... foi tão gentil comigo antes", murmurou, tentando esconder o nó que apertava sua garganta. Harleen manteve o sorriso leve, mas seus olhos logo se desviaram para o caderno de anotações ao lado. Enquanto Arthur olhava o baralho, ela puxou o caderno, começando a rabiscar algumas palavras. Não era a ficha de Arthur que ela preenchia, mas sim seu caderno de pesquisa, onde traçava observações que, para ela, eram muito mais valiosas.

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⏰ Última atualização: Oct 11 ⏰

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