PARTE UM: O CORPO SE SUSPENDE

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Faça mais reclamações. Continue agindo por impulso. Acredite nas próprias mentiras e não pare de enganar todos à sua volta. Feche o coração e não permita que ninguém o invada. Grite até não sentir os seus pulmões. Mantenha as pessoas a quilómetros de distância de você. Seja o monstro que tanto fantasia. Mas não os faça sangrar porque você vê o Paraíso no Inferno.

Eu sei que você está chorando por dentro enquanto aponta a arma em direção do meu coração. Ninguém está segurando as suas mãos, você está solto e tem a escolha de atirar em mim ou desistir a meio. Seus olhos falam mais do que a sua boca, ditam tantas palavras soltas que chega a torná-las interligadas umas às outras. O seu ódio por mim é tão intenso e incontrolável ao ponto de estar disposto a acabar com a minha vida? Ou o sentimento desconhecido ultrapassa todos os limites para não conseguir puxar o gatilho? Tenho a sensação de que um fogo está engolindo cada pensamento seu, te deixando mais inquieto e confuso.

Você mal se permite piscar os olhos nesse contato visual que nenhum de nós está disposto a quebrar. Se chegámos tão longe, por que parar no momento? Seu coração tem muito mais a mostrar do que aparenta através das palavras e das decisões que toma no dia-a-dia. Não sei até que ponto a fraqueza pode se alimentar de você. E é por esse motivo que abro um sorriso; por saber que eu sou o seu ponto fraco.

É notável o quanto segue o impulso e deixa a razão de lado, a congelar perante todas as ideias que tem. São espécies de sinais de alerta que ativam com simples atos. Uma pequena provocação é capaz de te levar ao extremo e fazer os outros descobrirem os pormenores da sua parte sombria. Creio eu que você seja apaixonado pela miséria. Pela melancolia. Por toda a angústia que pode trazer conforto.

Mas qual é a sua verdadeira face?

Eu tenho a certeza absoluta de que não é capaz de matar alguém. Tenho a certeza que o seu impulso é para chamar a minha atenção. Sou tão observador quanto você, porém existe mais autocontrole na minha pessoa. Você tem tempo, estou dando o meu silêncio e esperando por uma ação concreta. E não finja que eu não vejo seus dedos tremendo sobre o revólver. É difícil, eu sei. Mas você consegue.

Me aproximo da ponta da arma, fazendo-a chocar com o meu peito. Seu olhar está cravado no meu rosto como se eu fosse um desconhecido completo. Não adianta engolir a seco quando o seu foco principal é atirar. Ou o seu foco sou eu? Por vezes é complicado desvendar o que está fixo em seu olhar soturno, fechado, tumultuoso. O silêncio entre nós dois parece uma tempestade. Esse é o sabor do perigo. Essa é a mais pura realidade, tão imperfeita quanto as nossas personalidades, Yin.

─ A adrenalina de estar nessa posição é tanta que tem medo de dar um passo em frente? ─ Pergunto, permitindo que o sorriso em meus lábios se alargue ─ Do que tem tanto medo? De mim ou de acabar comigo?

O seu suspiro é tão pesado que parece que fui eu a soltá-lo. Imagino a sua respiração bater contra o meu rosto, profundo. Apenas faça o que tem em mente. Não tenha tanto medo. Não fique tão travado. Não precisa suportar os fortes batimentos cardíacos sozinho. Pode não reparar mas você está rodeado de pessoas que gostam de como é. Talvez eu seja uma delas. Todos carregamos defeitos, péssimos pensamentos e seguimos caminhos repletos de obstáculos.

Mas eu conheço um pouco de você e sei que a pessoa que está sendo nesse momento não passa de um personagem criado para ocultar todos os problemas interiores, toda a ansiedade, todas as frases que deseja despejar mas que não tem coragem. Tanto para nada, já que você abaixa a arma e a solta em cima da mesa da sala de arquivos antes de dar costas e fingir que não existo, sentando na cadeira giratória.

Aqui não existem vencedores ou perdedores. Existem falhas a serem resolvidas.

─ E eu pensei que poderia morrer numa delegacia. ─ Brinco ao me aproximar da mesa.

Amando uma Mentira | yinwarOnde histórias criam vida. Descubra agora