Capítulo 1.

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Eu sempre soube que não poderia voltar. Estava ciente que, no momento em que eu saísse daquela casa, sem olhar para trás, tudo seria diferente, e que eu só teria uma chance de fazer isso dar certo. É a minha chance. É tudo ou nada.

Minha vida antiga havia sido deixada para trás, enterrada como um segredo que jamais poderia ser desenterrado. A nova vida em Forst Moon é tudo que me resta, e eu preciso me acostumar com isso. Preciso aceitar isso. Isso não é algo definitivo, mas é a minha realidade.

A estrada para a cidade parece interminável, estendendo-se como uma fita cinza em meio à floresta densa que cercava ambos os lados do caminho. As árvores, altas e cerradas, me dão a sensação de que, a qualquer momento, poderiam me engolir. Me perco em pensamentos, imaginando que, em meio a essas árvores e galhos, os animais devem estar vivendo suas vidas, sem saber o que se passa do lado de fora.
Sou puxada para fora da imaginação quando o vento frio sopra através das frestas da janela do carro, fazendo meu casaco de couro surrado se apertar contra minha pele. Eu deveria ter trazido algo mais quente, mas não estava exatamente pensando em conforto quando saí às pressas de casa.

A placa de "Bem-vindo a Forst Moon" aparece como uma miragem no horizonte, a medida em que me aproximo, consigo notar seus cantos desgastados e a pintura descascada denunciando os anos de abandono. É o tipo de cidade que parece presa no tempo, pequena, pacata, mas com um ar de que algo maior se esconde logo abaixo da superfície. As ruas estão impressionantemente limpas, e as poucas pessoas que andam por ali carregam um sorriso tranquilo. O tipo de sorriso que quase faz você esquecer que algo está errado. Quase me sinto contente por estar ali.

Estacionei em frente à única pousada da cidade - pelo menos a única que consegui encontrar - observei um prédio de dois andares com a pintura desbotada e janelas levemente sujas. Quando saí do carro, fui recebida por um homem idoso, de calças e colete cáqui, que varria a calçada do outro lado da rua. Ele acenou com a cabeça e sorriu, gentil. Sorri de volta, com um aperto no estômago. Forst Moon era acolhedora demais para quem, como eu, escondia segredos tão profundos. Observei ao redor e pude notar que, em frente a pousada que estou prestes a entrar, existe uma praça onde as pessoas parecem se reunir para passarem as tardes, lojas e cafés preenchem o entorno da praça. Dou meia volta para seguir meu caminho e sinto uma pressão no peito e meu corpo vacilar. Acabei de esbarrar em um homem, maior que eu, que estava caminhando pela calçada.

- Desculpa - pronuncio mas o homem responde apenas com um aceno de cabeça. Não consigo nem enxergar o rosto do homem de tão rápido que foi nosso pequeno acidente.

Dentro da pousada, o cheiro de madeira velha e mofo me atinge com força. Posso apostar que minha alergia vai aparecer a qualquer momento. A recepcionista, uma mulher de meia-idade com cabelo grisalho preso em um coque apertado, levantou os olhos do balcão e me cumprimentou com um sorriso caloroso. Quase que imediatamente começou a vasculhar debaixo dos papéis expostos sobre o balcão.

— Você deve ser a nova hóspede! — Sua voz era amistosa, quase maternal. — Seja bem-vinda! Aqui está sua chave. - esticou a mão me entregando a chave com um chaveiro onde dizia 'pousada da Grace'

A simpatia dela me pegou de surpresa. Eu apenas assenti, tentando retribuir o sorriso, mas sentindo que ela via através de mim. Peguei a chave e, após ser indicada pela senhora do balcão, subi as escadas até o segundo andar.
Andei pelo corredor até chegar em frente a uma porta de carvalho, notavelmente velha.
O quarto era pequeno e funcional, com uma cama de ferro, uma cômoda antiga e uma janela que dava para o parque cheio de risadas lá embaixo. Fechei as cortinas, como se isso pudesse me proteger de olhares curiosos.

Eu precisava manter o foco. Não posso me deixar distrair do meu objetivo principal. Não quero morar aqui, não quero criar raízes nem laços. Só quero descobrir o que tenho para descobrir e cair fora. Forst Moon podia parecer acolhedora à primeira vista, mas algo esta profundamente errado com essa cidade. E eu estou aqui para descobrir o quê.

Enquanto me jogo na cama, sentindo a rigidez do colchão, ouço passos pesados subindo as escadas. O som é forte, distinto. Da mesma forma rápida em que me joguei na cama, já estou de pé, meus instintos já em alerta. Fui para perto da porta, ponderando se ouço minha curiosidade e abro a porta ou se me mantenho quieta, fingindo que não estou aqui. Claro que a curiosidade venceu. Cautelosamente abri a porta, mas não enxerguei ninguém, nem mesmo ouço mais os passos. Ao dar um passo para fora do quarto esbarrei nele.

Ele estava parado diante de mim, uns 15 cm mais alto do que eu, com uma jaqueta de couro e olhos que pareciam enxergar além do que eu estava disposta a mostrar. Seus traços eram marcantes, e havia algo no modo como ele me olhava — algo que me deixava desconfortável e, ao mesmo tempo, curiosa.

— Você está tentando bate algum recorde de quantas vezes consegue esbarrar com a mesma pessoa? — disse ele, sua voz baixa e firme. E em uma fração de segundo lembrei, a jaqueta de couro, o tamanho, o aroma de sândalo e fava tonka. É ele. O homem com quem eu esbarrei na chegada. — Acabou de chegar?

Assenti, incapaz de encontrar palavras. Seus olhos eram de um tom indecifrável, e ele me estudava com uma intensidade que me fazia sentir exposta, como se soubesse que eu não estava ali apenas para começar uma nova vida. Como se com um olhar soubesse todos os meus segredos.

— Daxton — ele se apresentou, estendendo a mão. Hesitei, mas acabei apertando sua mão. Seu toque era firme, mas não agressivo, e havia uma sensação estranha no ar entre nós. Algo indefinível.

— Kiara — murmurei, soltando sua mão logo em seguida.

— Bem-vinda a Forst Moon, Kiara. — Ele disse meu nome como se fosse um segredo. Seu olhar carregava algo mais, uma curiosidade silenciosa, mas antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ele sorriu de leve e entrou em uma porta ao final do corredor.

Fiquei parada na porta, observando-o desaparecer pelo corredor. Algo nele não parecia certo. Talvez fosse o jeito como ele me olhou, ou o fato de que meu nome soou estranho em seus lábios. Não consigo definir o que senti. Se gostei dele ou se odiei, se ele pareceu uma pessoa boa ou horrível. Mas também, foram poucos segundos, não é tempo o suficiente para formar uma opinião. Ou é? Por um breve segundo, eu quase o segui. Quase.

Fechei a porta e voltei para a cama. Sentei escorada na cabeceira dura de metal gelado e peguei o celular.

- Droga! - exclamei mais alto do que deveria ao me dar conta de que não havia comprado um chip novo. Joguei o meu fora ao sair de casa e não lembrei de comprar um novo antes de vir.

Desliguei o celular e joguei ele em cima da cadeira que preenchia o ambiente do quarto.
Eu estou com fome, estou cansada e gostaria de beber, mas colocando isso tudo na balança, resolvi deitar e puxar as cobertas de lã para cima de mim.

Forst Moon era um bom lugar, com gentilezas, onde as pessoas parecem boas, acolhedoras demais para alguém como eu. Apesar de parecer antiga, eu posso até dizer que a cidade tem um aroma de muffin quentinho. É um lugar onde era para tudo ser perfeito. Mas por trás de todo aquele calor, havia segredos. Eu tinha vindo para descobri-los, e agora parecia que um desses segredos usava jaqueta de couro e olhos castanhos que guardavam mistérios.

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