Enny, uma jovem de 16 anos, começa a ter visões assustadoras de sua morte e de um universo alternativo. Sua vida vira de cabeça para baixo quando um monstro aparece para matá-la, e ela é salva por seis adolescentes que a levam para uma dimensão para...
Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.
Estava em minha sala no restaurante. A movimentação parada no final da noite, pude ter um momento sozinha, finalmente. Tirei da terceira gaveta a antiga foto dos meus quarenta e um anos com aquele enorme grupo comigo. Fazia três anos do meu contato com Rheyk. Sentia falta de quando éramos da linha de frente. Agora me contentava em ver essa nova geração cometer os erros que outrora também pensei ser o certo a ser feito. Era um processo natural de amadurecimento que eles teriam que passar.
As duas mulheres ao meu lado no retrato já estavam mortas. Laiane, à minha direita, exibia sua barriga de seis meses. Minha irmã – avó de Aline –, à minha esquerda, apoiava um dos braços em um Ethan muito risonho. Um dos raros sorrisos que ele dava. Outro que também faleceu. Dos que ainda se envolviam com Rheyk, apenas eu continuava lutando com as armas que tinha. Na verdade... Talvez não esteja tão sozinha assim. Meus dedos trêmulos passam sobre a face do belo homem na imagem, mais afastado do grupo, que olhava com admiração sua esposa. Ele sempre teve olhos para ela.
Honestamente, todos só tinham olhos para Laiane.
Me pego perguntando se tinha falado de menos para Enny. Aliat, Henny, Valocter. Era óbvio! Aliança entre a vida e a morte. Lá estava a respostas para as dúvidas que me sufocavam nas noites sombrias. Porém, me trazia centenas de outras.
Será que minha amiga falecida já tinha noção que Aliat tinha feito sua escolha? Como poderia Enny não saber da verdade? Ou estaria mentindo? Ou não seria ela a menina que Laiane mencionou há anos que nos levaria ao último descendente apto a subir ao trono quando Victor caísse? A salvar Rheyk? Teria eu me confundido? Isso não! A conversa com Victor e as fotos dele e Aliat no meu livro evidenciavam que eu estava correta.
Laiane outrora comentou conosco que descobriu que havia em Rheyk sangue real não derramado e que tinha pedido a Ethan para guardar na nossa Terra um objeto importante desse descendente para proteger a família quando chegasse a hora. Ela não me revelou muito mais do que isso, apenas pediu sigilo. Seria o tal do Coração? Infelizmente, a resposta para essas perguntas eram agora murmúrios dos mortos. Meus grandes amigos caíam como moscas.
Vi lágrimas molhando aquela foto. Era uma saudade de tempos muito bons. De quando sentávamos em meu sofá duro, comíamos sanduíches frios e nos debruçamos sobre os mapas de Rheyk, traçando planos para minar o poder de Victor e criar novos portos seguros para todos os braços da rebelião. Inclusive, Laiane nos convenceu a criar um abrigo em um desfiladeiro para que o grupo pudesse treinar em paz. Ela depois apresentou esse lugar para seu filho e hoje lá era a sede da Rebelião de Rheyk. Impressionante como, mesmo depois da morte, aquela mulher ainda impactava na causa.
Bendito o dia que ela entrou no meu restaurante, desorientada por ser perseguida por Cólupo – o antigo braço direito de Victor –, trazendo o jovem Petrik consigo. Apesar da diferença de idade, nós duas desenvolvemos logo confiança uma pela outra. Porém, nossa amizade se tornou forte quando ela engravidou, sozinha no mundo – quer dizer, ele nunca a abandonou –, e me pediu abrigo até a criança nascer. Nos seis meses em minha casa, ouvimos rumores de outros guardiões como os Monteiros e decidimos agir. Ao longo dos anos , eu, Laiane e o pai de Nathan os procuramos e formamos nosso grupo de oito, os mesmos que estavam naquela foto. Que período excelente da minha vida.
– Tia Lúcia. Já fechei o restaur... – Meu menino me chamou e eu puxei a fotografia para o peito, bruscamente. Ele sorriu com malícia. – Foto de algum namorado?
– Nenhum que você vá conhecer. – Brinquei.
– Não me diga que é um nude. Me traumatizaria pelo resto da vida. – Nate fez a mesma careta de nojo quando eu lhe servia prato de verduras há 13 anos.
– Me respeite, seu moleque. – Joguei um clipe de papel em sua direção. Meu cotovelo estalou. A idade tinha dessas.
Levantei-me da minha cadeira acolchoada e fui até ele. Como cresceu! Veio morar comigo depois de dois anos de insistência minha. Chegou arredio, da altura de meus ombros e com os ossos expostos. Nunca gestei. Porém, na minha relação com Nathan, tive mais vivências de maternidade do que achei possível. Eu o amava como um filho.
Ele pegou minhas mãos e as beijou, dando-me um enorme sorriso. Bem diferente de como eu o vi quando ele foi para Rheyk ontem. Sem qualquer similaridade como chegou hoje. Algo tinha acontecido. Cerrei meus olhos, examinando-o de cima a baixo. Dei uma leve fungada e senti um cheiro suave de jasmim. Meu semblante mudou para repreensão e lhe dei um tapa no peito.
– Você e a pequena... – Estava nervosa. Ela era uma menina! – Sempre achei que aconteceria. Mas, cuidado! Ela não é como Jane. Está sozinha aqui, é inocente e realmente se importa com...
– Calma. – Ele ria. – Realmente gosto dela. É diferente do que tive por qualquer outra antes. A senhora sabe disso. Não desrespeitaria Enny ou a senhora. Prometo que vou devagar.
Apertei suas bochechas e o rapazote me deu um beijo na testa.
– Espero que devagar como uma preguiça, meu rapaz, ou vou começar a trancar a porta de vocês na hora de dormir.
– Esqueci que só pode transar de noite e em um quarto. – Ergui a mão para o beliscar e ele levantou as suas como um sinal de apaziguamento. – Estou brincando. Mais devagar que uma preguiça, então. Agora... Se ela pular em mim, não respondo pelos meus atos.
– Que o Sábio tenha dó de mim com vocês dois. – Roguei ao nada e meu menino riu.
Beijei suas mãos e o mandei voltar ao trabalho. Ele tinha os mesmos dedos longos e finos de sua mãe. Os mesmos dedos de Laiane. Fisicamente, único traço que lembrava ela. Ele era a imagem do pai na mesma idade.
Vendo-o se afastar para limpar o salão, me vi em conflito. Desde o momento que ele trouxe a pequena para cá, parecia rondar ao seu redor como se ela fosse o sol. Nunca o vi tão empenhado com nada além de Rheyk. Proteger aquele mundo era a sua razão de viver. Mas, no último mês, ele passava cada vez menos tempo lá, usando o pretexto que tinha que cuidar de sua protegida.
Antes, eu estava preocupada com ele se magoar quando – e se – ela voltasse para casa. Mas, agora, que tinha confirmado o que Enny Scott de fato era e sabia que estava destinada a lutar contra Victor, meus medos eram outros. Nathan poderia se sacrificar para a proteger e não cuidaria bem de Aline – a última lembrança que tinha da minha irmã. A presença dessa nova garota colocava em risco a vida dos meus garotos e eu sequer sabia se ela merecia tal título, se não iria se corromper no meio do processo e condenar a todos... Se a semelhança era meramente física ou talvez fosse mais profunda.
Eu tinha que testar se aquela menina era digna de ser a representante de Aliat nesta guerra.
***
(Teorias do que tia Lúcia vai fazer?)
Uma dica: atenção aos nomes neste capítulo. Neste livro não há dois personagens com o mesmo nome. São realmente só a mesma pessoa.