Capítulo 1

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      Era um inverno comum, congelante, o inverno em que perdemos papai, e eu não sabia o que comprar no supermercado mequetrefe da esquina. "Você é um camaleão com defeito que nunca consegue decidir quando mudar de cor", mamãe repetia sempre que me escapava o que escolher: roupas, sapatos, refeições; me faltava algum tipo de ímpeto na vida, uma fagulha de propósito.

Nós morávamos em Prado dos Coelhos, município minúsculo ao norte e apesar do nome dificilmente víamos algum coelho, diziam que nos primeiros anos de fundação da cidade os colonos mataram a maior parte e o restante simplesmente morreram: "não por doenças, nenhum animal pode viver com um coração partido" costumava dizer vovó Nanda, ninguém da família ousava fazer visitas na casa dela, tudo mudou quando ela foi encontrada morta na sala de estar, tinha caído da escada, acabara de completar sessenta e dois anos e pelo que ouvi no velório odiava isso, como todos nós temos que dar espaço à velhice.

Compartilhava do mesmo sentimento, mas nem por isso me jogaria da escada como ela, divagando novamente saí do supermercado com apenas um refrigerante de latinha e um cigarro na mão, o sol já havia ido embora e a neve fraquíssima tentava cair.

Sábado perto do anoitecer me animava e trazia aquela tristeza gostosa que só um fim de tarde provoca. Nublada como na maior parte do tempo, Prado dos Coelhos jazia esquecida e pequena, segui na avenida em direção ao lugar onde eu evitava ficar ao máximo: minha casa; lar de porte médio em tons frios com todos os cômodos indispensáveis sendo sala de estar, cozinha, banheiro, dois quartos e uma área externa repleta de cadeiras de macarrão barato que ninguém usava. Quando criança me apeguei muito a uma cadeira de balanço suspensa que ficava naquele espaço, ela era toda azul com detalhes em lilás, fui uma criança de cores avessa a cultura de brinquedos de heróis; gostava dessas coisas sem nome ou forma.

Entrei pelo portão de ferro e tudo caiu num silêncio bastante comum, afinal não tínhamos vizinhos próximos e nosso bairro tinha a fama de ser pouquíssimo movimentado ao todo, minha mãe não estava em casa, deveria estar na casa de algum conhecido. Ela não possuía grandes amigos, como eu.

De banho tomado e sentindo a temperatura baixa invadir pela casa procurei por aquelas roupas velhas que jogamos no fundo do guarda-roupa, estas usamos em estados de espírito extremamente específicos mas eu não sabia de nada sobre nada muito menos o que sentir; eu não entendia como raciocinar o tempo que passava; um dia você é feliz por ser feliz e nem sabe, é saudosista dos dias perdidos na cadeira de balanço olhando tudo na terceira pessoa daí pisca e esses instantes tornaram-se décadas insossas. Naqueles tempos eu sorria sem esforço nenhum, saía de bicicleta pelas ruas acompanhado de uma prima que hoje perdi o contato por completo além de gastar horas a fio na casa de garotos bobos que eu insistia em chamar de amigos, estes todos foram embora também; Sinto que eram anos onde todos pareciam durar segundos na cidade antes de fazerem viagens sem retorno, tenho memórias e saudades de todo mundo.

Assim como dele, meu pai; sei que agora soa egoísta ou meio narcisista porém me pergunto quem vai sentir saudade de quem eu fui quando meu último dia chegar; sei que na realidade nada disso importa: a vida é essa piada de mau gosto que ninguém entende.

José Alves Neto de Sousa era o nome completo, fazia aniversário em 23 de dezembro, tinha a pele escura e voz profunda com aqueles olhos castanhos luminosos. Trabalhava como eletricista fora de Prado dos Coelhos; ele amava o elemento nômade daquele serviço, sempre transitando entre diversas empresas nos meses do ano e conhecendo lugares e viajando continuamente.

Adorava o momento em que meu avô e eu íamos buscá-lo de carro na rodoviária da cidade vizinha, bastava eu pedir uma casquinha de sorvete na barraquinha próxima ao ponto de ônibus que como mágica eu escutava: "Olha só quem acabou de chegar!", subitamente, ele me puxava para um abraço apertado e nesses pedaços de episódios eu acreditava em Deus. Acho que o amor reside muito mais naquilo que mantemos conosco do que toda a emoção jogada sem rumo ao mundo, intoxicante; Teríamos tão pouco tempo juntos, talvez por isso as pessoas repetem como é importante viver o presente; infelizmente o presente dura um breve olhar e a morte dos sonhos é para sempre.        

Cadeira de balanço suspensa no tempoOnde histórias criam vida. Descubra agora