Horizontes Silenciosos

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O som do motor era o único ruído além da chuva batendo no para-brisa. A estrada parecia interminável, com o horizonte coberto pela névoa. O rádio sintonizava uma música baixa, quase imperceptível, enquanto ela olhava pela janela, o reflexo das luzes da cidade distante piscando em seus olhos.

"Você já pensou em como tudo pode acabar de repente?" ela perguntou, a voz cortando o silêncio como uma faca afiada.

Eu ri, mais para afastar o desconforto do que por achar graça. "De novo com isso? Você gosta de pensar no pior, não é?"

"Não é gostar... só acho que a gente nunca está realmente preparado, sabe?" Ela virou-se para mim, seu rosto calmo, mas seus olhos diziam outra coisa.

"Preparado para o quê?" Eu mantive o olhar na estrada, mas sentia o peso da conversa crescendo.

"Para o fim. Para quando tudo desmorona, e você percebe que não tem mais controle." Ela suspirou, voltando a olhar para a janela. "O que você faria se soubesse que era a última vez que estaríamos juntos assim?"

Essa pergunta me pegou de surpresa. "Eu... não sei. Acho que faria isso durar o máximo possível." Minha resposta saiu mais hesitante do que eu pretendia.

Ela sorriu de canto. "Eu não faria nada diferente. Viveria exatamente como estamos vivendo agora. Só queria que você soubesse... que eu nunca deixaria nada sem ser dito."

"Você está bem? Isso parece um adeus..." Perguntei, agora sentindo o desconforto transformar-se em algo mais frio.

Ela riu baixinho. "Não é um adeus... ainda. Mas se fosse, eu não mudaria nada."

O silêncio tomou conta de nós de novo. Minhas mãos estavam firmes no volante, mas meu coração estava acelerado. Havia algo no ar, uma sensação que eu não conseguia entender, mas não podia ignorar.

De repente, as luzes de um caminhão apareceram à distância. Era rápido demais. "Segure-se!" Eu gritei, girando o volante com força.

O mundo virou de cabeça para baixo. O som ensurdecedor do impacto, o metal dobrando, os gritos abafados — tudo aconteceu em segundos, mas parecia uma eternidade.

Quando o carro parou, estava virado de lado, o vidro quebrado, e a chuva ainda caía, impiedosa. Minha visão estava turva, tudo doía. "Ei... você está bem?" Eu chamei, desesperado.

Silêncio.

Eu me virei o máximo que pude e a vi ali, imóvel, o sangue manchando o banco, escorrendo pelo seu rosto. "Não, por favor... não..."

Minhas mãos tremiam quando a toquei, mas ela não respondeu. O sorriso sereno que ela havia dado minutos atrás agora parecia um adeus cruel. Eu gritei seu nome, tentando encontrar algum sinal de vida, qualquer coisa.

O som da sirene ao longe ficou cada vez mais alto, mas era tarde demais.

Ali, naquela estrada deserta, com a chuva lavando o asfalto e as luzes do caminhão se apagando ao fundo, entendi o que ela queria dizer. O fim, aquele que ela tanto falava, havia chegado. E eu nunca estive pronto para ele.

Miguel's StoriesWhere stories live. Discover now