Capítulo 5 - Recruta

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Em casa, demorei a adormecer pensando nas consequências que o dia seguinte traria. O sono apenas chegou em meio as últimas horas da madrugada, e não foi nem um pouco satisfatório. Ainda mais por eu ter dividido a cama com Jules, que ao encontrar o quarto de mamãe trancado, veio correndo no seu choro de quase bebê se aconchegar em meus braços.

    Quando abri os olhos pela manhã, a típica confusão gerada pela saída do entorpecimento me fez acreditar por um segundo que tudo estava dentro de sua normalidade, até eu ver a flor de Frye amassada bem ao lado de meu travesseiro. Não, não havia sido um pesadelo. Era tudo real e a vida me chamava.

     Aproveito que o despertador coletivo ainda não soou nos alto-falantes da rua e deixo Jules em minha cama, indo da forma mais silenciosa possível até meu armário. Escolho uma roupa aleatória no meio das que tenho e decido que é boa. Para o que eu iria fazer não precisava vestir nada especial, só um revestimento extra de coragem. Mas isso nenhum tecido poderia me dar.

     No chuveiro, meu pensamento divaga em meio aos vapores quentes que emanam da água.

    Annabel e Jules podem ficar com meu padrinho. Ele nunca se recusaria a isso, penso com a cabeça baixa, enquanto a água desliza por minhas longas mechas. A mulher de Karl adoraria tê-los por perto. Winnifred não pode ter filhos, mas gosta muito de crianças. Digo a mim mesma ao fechar o registro para que a água cesse. Além do mais, só preciso sobreviver ao treinamento básico das FIDS, depois disso posso pedir transferência para um trabalho administrativo em alguma base perto de Boone. Concluo, enxugando levemente a cabeça.

   Alguns minutos depois, saio do banheiro já vestida e disposta ao sacrifício.

    Decido não tomar café, nem nada, me forçando apenas a escovar os dentes e pentear o cabelo úmido. Qualquer coisa no meu estômago é má companheira em momentos de nervosismo então, com a barriga ainda roncando, saio para a rua na ponta dos pés, tentando não acordar a senhora Rosehill que ainda dorme no sofá.

    Quando piso do lado de fora, a manhã está amena, me recebendo com um sol ainda preguiçoso. Faço meu caminho pensativa em meio ao gramado úmido de orvalho, passando pelo canteiro repleto de miosótis. Em nosso Condado nós a chamamos popularmente de “Não-me-esqueça”, mas independente do nome, elas sempre trazem um pouco de cor ao meu mundo cinza.

    Como já era o esperado, o motivo da euforia entre as garotas ontem à noite finalmente aparece em alguns postes pela rua. São os buques de Maio, pequenos ramalhetes de flores variadas e galhos perfumados de árvores, como abelias, lantanas ou alfazemas, envolvidas por diversos laços de fitas coloridas. Um mimo que os rapazes prendiam nos postes em frente à casa das garotas pelas quais eram apaixonados como declarações anônimas de amor ou, em alguns casos, como pedidos de casamento.

    Eu teria perdido um pouco de meu tempo os admirando, imaginando de quem cada buquê teria vindo, se um com o meu nome preso ao poste bem em frente à calçada de minha casa não tivesse me surpreendido. Porque era a primeira vez que eu recebia um, e não me parecia um mero ato de brincadeira ou simples engano.

    Ao contrário da explosão descoordenada de cores vistas nos outros, meu buquê era delicadamente ornado com laços de fitas de seda na cor azul bebê, e uma dezena de flores miosótis, de onde pendia um pequeno papel contendo meu nome em letras douradas.

    Apesar da beleza comovente daquele pequeno buque, comecei a vasculhar a memória tentando encontrar um possível admirador secreto perdido em meio às lembranças. Alguém na escola que tivesse me lançado algum olhar mais demorado ou um sorriso diferente, mas a busca acabou por levar ao nome de Frye. Sem que eu conseguisse, no entanto, encontrar algum motivo plausível para aquilo, já que ele nunca tinha demonstrado nada por mim antes. Somente sua amizade.

Brigada Negra ( temporariamente em hiato)Onde histórias criam vida. Descubra agora