CAPÍTULO 1

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Sarah Andrade acordou cedo, como sempre fazia. O sol ainda estava baixo no horizonte, e a luz que invadia o apartamento pequeno era suave, quase acolhedora. Ela se levantou da cama sem fazer barulho, evitando acordar Lucas, que ainda dormia profundamente ao seu lado. Enquanto se vestia, observou o reflexo no espelho. Cabelo loiro ondulado caía sobre seus ombros, algumas tatuagens desenhavam-se por seu corpo atlético, e uma cicatriz fina na barriga lembrava-lhe de uma missão antiga, daquelas que deixavam marcas físicas e emocionais.

Aos 30 anos, Sarah já tinha visto de tudo em sua carreira como detetive. Casos resolvidos, vidas salvas e outras perdidas, em meio a uma rotina de riscos e decisões rápidas. Ela era conhecida por sua frieza em ação, pela precisão nos detalhes e por sempre manter o foco. Mas havia algo que ela não conseguia controlar tão facilmente: a si mesma.

Sarah saiu de casa com Lucas ainda dormindo. Seu relacionamento com ele era confortável, seguro. Eles se conheciam desde a infância, cresceram juntos e, por um breve período na adolescência, foram algo mais. Agora, alguns meses atrás, eles haviam reatado, e mesmo que Sarah soubesse, lá no fundo, que Lucas nunca desistira dela, ela não podia dizer o mesmo sobre si mesma. Estar com ele parecia uma fuga, uma forma de evitar aquilo que realmente a perturbava. A dúvida sobre quem ela era de verdade.

Entrou no carro e dirigiu até a delegacia, seus pensamentos dispersos. Camila, sua melhor amiga, estava de plantão naquele dia, e Sarah sabia que precisava vê-la. As duas eram inseparáveis desde os tempos de escola, confidenciando medos, conquistas e sonhos. No entanto, havia segredos que elas nunca compartilhavam. Camila não sabia da luta interna de Sarah com sua sexualidade, e Sarah não suspeitava dos sentimentos ocultos que Camila nutria por Lucas.

Quando Sarah entrou na delegacia, foi recebida pelo sorriso familiar de Camila, uma figura reconfortante em meio ao caos de sua vida. Camila era a única pessoa que a fazia sentir-se próxima de um lar. Elas conversavam sobre tudo, mas ao mesmo tempo, parecia que conversavam sobre nada. Sempre havia algo não dito entre elas.

"Oi, sumida! Achei que você tivesse me trocado pelo Lucas de vez," brincou Camila, com aquele sorriso fácil que Sarah tanto admirava.

"Você sabe que eu nunca trocaria você," Sarah respondeu com uma risada, embora as palavras tivessem mais peso do que ela gostaria de admitir.

Os dias no trabalho eram sempre intensos, mas era nas pequenas pausas com Camila que Sarah encontrava algum alívio. Contudo, mesmo com a amizade sólida que tinham, o muro entre elas parecia crescer a cada dia. Sarah escondia seus verdadeiros sentimentos, suas dúvidas sobre Lucas, sua atração por mulheres, e Camila, sem que Sarah soubesse, escondia o amor que carregava por Lucas, um segredo guardado desde a adolescência.

Mal sabiam elas que, em breve, segredos maiores viriam à tona, segredos que mudariam suas vidas para sempre.

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Sarah voltou para casa após mais um longo dia na delegacia. Ao abrir a porta, sentiu o aroma de algo cozinhando. Eloisa, sua irmã mais nova, estava na cozinha, como sempre, preparando o jantar. Aos 18 anos, Eloisa já mostrava uma maturidade admirável, cuidando das pequenas tarefas do dia a dia que Sarah, muitas vezes, deixava de lado devido à rotina exaustiva.

"Oi, mana! Chegou cedo hoje," Eloisa comentou, sorrindo ao ver Sarah entrar.

"Sim, o dia foi tranquilo... pelo menos por enquanto," Sarah respondeu, forçando um sorriso. Apesar da aparência calma, sua mente fervilhava. O peso de seus próprios conflitos e da necessidade de se manter forte para Eloisa fazia com que se sentisse à beira de um abismo.

Eloisa sempre fora o ponto de luz na vida de Sarah. Quando os pais morreram, Sarah tinha apenas 20 anos e assumiu a responsabilidade de cuidar da irmã. Desde então, o relacionamento delas tornou-se uma mistura de afeto e proteção, com Sarah tentando ser a rocha que Eloisa precisava. Mas, com o passar dos anos, o papel de Eloisa também mudou. Agora, era ela quem parecia cuidar de Sarah, sempre observando atentamente os sinais de cansaço e dor que sua irmã tentava esconder.

"Fiz uma salada e lasanha de legumes. Sei que você gosta," disse Eloisa, enquanto arrumava a mesa.

"Obrigada. Eu nem sabia que estava com fome," Sarah disse, sentando-se. O ambiente aconchegante da casa que compartilhavam era, em muitas formas, a única coisa que a mantinha equilibrada.

"Você sempre está ocupada demais para perceber," Eloisa brincou, mas seu tom carinhoso revelava uma preocupação genuína.

Sarah sabia que Eloisa a observava, e o fato de a irmã perceber que algo estava errado a incomodava. Era como se, apesar de todos os esforços para manter suas emoções sob controle, Eloisa ainda pudesse ver através dela.

"Você... está bem com o Lucas?" Eloisa perguntou, de repente, seu olhar sério, mas hesitante. Era a pergunta que Sarah temia ouvir.

"Estou. Por que não estaria?" Sarah respondeu automaticamente, desviando o olhar.

"Sei que você não fala muito sobre isso, mas... eu sinto que você está com ele porque acha que deve, e não porque quer," Eloisa continuou, com sua habitual doçura, mas sem deixar de lado a honestidade.

Sarah mordeu o lábio, evitando confrontar a verdade. Eloisa estava certa, mas não entendia o verdadeiro motivo. Para Eloisa, era apenas uma questão de conforto, de não querer quebrar algo seguro. Mas para Sarah, era mais profundo. Era o medo de confrontar quem ela realmente era, de encarar os sentimentos que escondia.

"Eu... só estou tentando fazer a coisa certa," Sarah respondeu, a voz baixa, como se tentasse convencer a si mesma.

Eloisa suspirou e deu um pequeno sorriso. "Eu só quero que você seja feliz, sabe? Seja com quem for."

Sarah sentiu um aperto no peito. As palavras de Eloisa a atingiam de uma forma que ela não queria admitir.

"Eu sei, Elo. Eu sei," respondeu, tentando encerrar o assunto.

Enquanto comiam, Sarah tentava se distrair, mas o olhar de Eloisa parecia pesar sobre ela. Sua irmã sabia, de alguma forma, que Sarah estava lutando uma guerra interna, mas não conhecia a profundidade dessa batalha. Namorar Lucas era fácil. Era seguro. Ele conhecia seu passado, sua família, e nunca questionava suas escolhas. Mas, ao mesmo tempo, era uma fuga. Uma forma de evitar a realidade de quem ela realmente desejava ser.

Quando terminaram o jantar, Eloisa limpou os pratos enquanto Sarah se sentou no sofá, o olhar perdido na janela. Lá fora, o mundo parecia seguir em frente, mas dentro dela, tudo estava parado. Congelado em um dilema que parecia impossível de resolver.

Ela sabia que não poderia viver fugindo para sempre. Algo dentro de si precisava mudar, mas o medo de enfrentar essa mudança a paralisava. Eloisa, sempre tão preocupada, parecia ver mais do que Sarah queria mostrar. Mas o que ela faria se soubesse o real motivo por trás do relacionamento com Lucas?

Esses pensamentos a consumiam, e Sarah sabia que, cedo ou tarde, teria que enfrentá-los. Mas, por enquanto, a vida continuava – com Lucas, com Eloisa, com o trabalho. Pelo menos até que algo a obrigasse a encarar o que tentava ignorar.

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