A biblioteca estava silenciosa, exceto pelo som suave das mãos de Marcos movendo livros e ajustando as estantes. A chefe, Sarah, já tinha ido embora, deixando-o sozinho naquele espaço repleto de histórias, memórias e passado. Estava concentrado no trabalho quando ouviu uma batida tímida na porta de vidro, porém Marcos decide ignorar e esperar que a pessoa perceba o adiantar da hora e vá embora.
Uma batida forte no vidro o assusta e Marcos deixa um dos exemplares de “O Retorno às Sombras”, futura aposta da biblioteca, cair no chão. O livro conta a história de um rapaz que ao retornar a sua cidade natal em 1922 descobre estar prometido em casamento a uma estranha. Em meio a isso, ele acaba se apaixonando por um rapaz misterioso que já estava destinado a cruzar os trilhos do seu caminho.
Marcos pega o livro do chão e o apoia na mesa encarando a porta. O som da batida ressoava na silenciosa biblioteca, ecoando até ele. Relutante, ele vai até a porta, com o coração acelerando enquanto se aproximava. “Quem seria a essa hora?” A luz fraca do corredor mal iluminava a silhueta que se projetava atrás do vidro. Algo na postura daquela figura o intrigava, uma mistura de familiaridade e estranheza que o fazia hesitar. “Seria Sarah que havia voltado?”. Precisa abrir para descobrir.
Ao girar a maçaneta, o mundo ao redor parecia silenciar. E ao abrir, o sino do batente da porta quebrou o silêncio, a silhueta ganhou forma na luz do corredor. E ali, diante de seus olhos incrédulos, estava Eduardo. Seu coração quase parou. O choque se misturou com nostalgia, dor e curiosidade. Eduardo estava visivelmente agitado, mexendo no anel que carregava no dedo da mão esquerda.
“Eu... me caso amanhã,” disse, sem rodeios. “Mas não conseguiria subir naquele altar sem antes ver o brilho dos seus olhos outra vez.”
Eduardo hesita por alguns segundos antes de entrar na biblioteca “Nada aqui mudou, até você ainda continua aqui, nesse lugar… é como um dejavu”.
Marcos mal pode acreditar na cena que está diante de seus olhos. Eduardo ali, parado em sua frente, é como um flashback de um amor perdido a anos e que achava estar superado. É um tipo de memória que seu corpo não precisou de mais que dois segundos para se lembrar. O sangue fervendo em suas bochechas e fazendo o chão desaparecer por completo de seus pés.
Marcos fixa na aliança de Eduardo: “Se você veio aqui atrás de livros que te ajudem a escrever seus votos, saiba que não temos e já fechamos.”
“Você sabe que não” Eduardo diz buscando o olhar de Marcos que se recusa a olhar para ele.
“E porque eu saberia?”
“Marcos eu só…: Eduardo expira “precisava de uma última conversa com você.”
"Última conversa?” Marcos ri com amargura: “Eduardo… vai embora, por favor”, aponta a porta. “Volta lá para sua despedida de solteiro, ou seja lá quais planos você tenha feito para essa noite, mas me deixa fazer meu trabalho em paz”
“Só me dá um segundo pra falar com você”
“O que você quer, Eduardo? Uma bênção? Despedidas finais?”
“Você acha que foi fácil pra mim vir até aqui?” Eduardo dá um passo à frente.
“Você me deixou pra trás como se eu fosse um descarte. Como aquelas pessoas que deixam um cãozinho na rua esperando que alguém recolha o símbolo da incapacidade de cuidado deles. Agora quer falar sobre isso?”
“Eu não sabia o que fazer, só…” o olhar cai sobre o chão: “hoje eu acordei pensando em você essa manhã. Na gente… E cada hora que toquei nessa aliança, pensei mais em você. Eu precisava saber porque seguir em frente, mas pra isso precisava falar com você!”
“Você já falou o bastante, e eu não posso te ajudar.” Marcos diz reto: “Talvez um terapeuta possa, mas eu não”
“Eu acabei de chegar”
“Eu não tenho a noite toda, Eduardo”
“Mas eu só tenho essa noite”
Um silêncio pesado se instala e eles estão posicionados um em cada lado da sala como o presente e o passado na linha do tempo, sendo a porta o futuro. Eduardo, parado em frente a uma estante, passando os dedos nas lombadas dos livros. Enquanto Marcos, segue de pé, tentando manter a compostura, mas o ambiente o sufoca com memórias. Ambos completamente exaustos emocionalmente.
"Eu não vim aqui para brigar, Marcos” Eduardo reinicia: “Eu só precisava te ver antes do...”
“Antes do SIM… da chuva de arroz…” interrompe Marcos sarcasticamente.
Eduardo abandona as prateleiras: “antes de tudo que pode vir depois disso”
"Olha pra sua mão, Eduardo, você já tomou sua decisão.”
"E se eu não tiver?”
“É tarde, literalmente tarde, não acha?” Marcos aponta para o relógio de parede marcando 19:25: “Então… você sabe onde fica a porta.” Marcos fala e se prepara para abandoná-lo sozinho na saída.
“Não faz isso com a gente, Marcos”
"A gente?” Marcos solta um sorriso sem graça: “Não existe a gente, e nem me arriscaria dizer que algum dia existiu".
"É claro que existiu! Se não, porque eu estaria aqui, horas antes de subir ao altar?"
"É exatamente isso que eu estou me perguntando desde de quando você tocou a porra daquele sino!” Marcos aponta a porta: "Porque você está aqui, Eduardo?" Diz Marcos com a voz embargada.
O silêncio ressurge como o terceiro membro dessa conversa novamente. A sensação de ter alguém enfiando o dedo na ferida, cada vez mais fundo, torna a conversa mais agonizante. A energia se dissipando no ar transformando a silenciosa biblioteca num palco onde a peça principal é dramática, a um passo de ruir por completo. Como se cada frase dita passasse entre eles como um terremoto categoria 9.5.
“Porque eu ainda te amo, Marcos. Eu nunca deixei de te amar um dia desde do momento que te vi naquela delegacia.”
“Eduardo para…”
“Eu preciso saber se você ainda sente o mesmo por mim.”
“Você é confuso, você me confunde…”
“Eu precisava que você me esperasse.”
“Esperar? O que se ganha, além de feridas, quando se tem que esperar pela incerteza?”
“Me lembro quando ouvi você dizer isso pela primeira vez. Me lembro porque foi o exato momento em que você despertou alguma coisa em mim. Se lembra?”
“Não tenho porque lembrar” Ele mente, quase automaticamente, como se negar pudesse apagar a memória.
“Duvido que alguém que viva rodeado de livros tenha uma memória tão curta assim pra se esquecer de boas histórias” Eduardo dá um sorriso sincero.
Por mais que tentasse afastar a lembrança, era impossível ignorar. A sensação do toque sútil da mão de Eduardo enquanto limpava os machucados com um algodão... Era um instante simples, mas que carregava um cuidado genuíno.
Antes que pudesse se controlar, um sorriso sereno escapou dos lábios de Marcos. Ele o apagou rapidamente, mas por aquele breve momento, ficou claro que a memória, por mais dolorosa que fosse agora, ainda guardava algo que ele nunca conseguiria esquecer completamente.
Notinha:
~ Peço a vocês um pouco de paciência, pois essa é a minha primeira tentativa de escrita, e não será a última, até deixei um spoilerzinho pra vocês. 👀
Até perguntaria se vocês estão curiosos para saber o que o futuro resguarda para Marcos e Eduardo, mas nesse caso é o passado que importa.
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- O ÚLTIMO CAPÍTULO -
RomanceNa véspera de seu casamento, Eduardo reaparece inesperadamente na vida de Marcos após anos de silêncio. Eles compartilharam um amor intenso no passado, mas algo os separou, deixando cicatrizes profundas e perguntas sem resposta. Agora, com uma decis...