Num aparente oásis de perfeição, sua vida desmorona diante de uma tragédia avassaladora, despedaçando sua antiga visão de felicidade. O brilho outrora presente em seus olhos negros se desvanece, o sorriso some do seu belo rosto; a voz, outrora sensu...
Acordei, meu irmão não estava em casa. Ouvi-o gritando de madrugada, com certeza, teve mais um pesadelo. É sempre assim, demora para dormir, resmunga, acorda aterrorizado e não consegue mais pregar os olhos, vagando pela casa até o alvorecer. Nem os remédios o ajudam mais a dormir, a insônia virou a sua acompanhante. Acredito que nem café da manhã tomou. Deve estar na empresa.
Hoje começa uma nova secretária, as anteriores não duraram mais do que duas semanas. O Aleksei está fazendo da vida delas um inferno. Não o culpo, pois todas até agora se mostraram incompetentes, insensíveis e atrevidas ao fazer perguntas inconvenientes para ele. Elas podem falar russo, mas não têm amor à nossa pátria e não entendem nossos costumes. As mais jovens adoram flertar conosco.
Eu e o Dmitri não estamos interessados em brincar com nenhuma mulher, seja bonita ou inteligente, queremos trabalhar e, se encontrarmos alguém que nos interesse, poderemos investir em um relacionamento. Por enquanto, não quisemos nada com ninguém, estamos absortos em nossa empresa e no bem-estar do Aleksei.
Não temos uma vida celibatária; no entanto, nesses quatro meses, não tivemos interesse em mulheres, principalmente pelo simples motivo de que não queremos publicidade negativa. Qualquer mulher que saia com um de nós pode querer chamar a atenção sobre si em cima de nossos nomes e influência na mídia.
Houve rumores, feitos por uma socialite de que não desfrutamos do prazer feminino. A nossa resposta simples, porém eficaz: enviamos de uma cesta de produtos de beleza com um manual de boas maneiras para senhoras. Óbvio que a mídia sensacionalista descobriu isso, levando a socialite ao ridículo.
Somos implacáveis quando atacados, não precisamos provar a ninguém nossa masculinidade ou nosso gosto por mulheres. O que não sabem sobre nós é que não gostamos de usar do nosso poder e influência para nos envolvermos com quem quisermos. Temos dignidade e honramos a deusa Lada* e o deus Perun*. Mas não pensem que não sabemos satisfazer uma mulher. Aleksei nos ensinou – a mim, ao Dmitri e ao Nikolai – que devemos ser respeitosos e procuramos estudar como agradar a uma mulher. Não é porque somos impiedosos com nossos inimigos empresariais que somos brutos na cama, apenas queremos a mulher certa para nos satisfazer.
Já tive uma namorada? Sim, e a tratei como a uma princesa até que nossos interesses se divergiram, percebemos éramos para sermos felizes juntos. E o Nikolai e o Dmitri são mais fogosos do que eu.
Vou até a cozinha, o Dimitri já está tomando o café da manhã. Como somos apenas nós três, estabelecemo-nos no mesmo casarão. Trouxemos da Rússia a nossa governanta, Svetlana, ou Sveta, como a chamamos carinhosamente. Ela me conhece desde bebê e cuida de nós como uma mãe. Acabou adotando o Dmitri e o Nikolai também, o que gera ciúmes por minha parte. Era para ser só eu o mimado, mas para o meu consolo, ela diz que seu coração é grande e pode dar um cantinho pequenino para eles. Acabo rindo de seu esforço em me fazer feliz.
Svetlana, lendo meus pensamentos, prepara algo para levar ao meu brat*(irmão) comer. Tem sido apenas alimentos leves. Não sei como ele aguenta; quase não come e não dorme. Converso sobre sua saúde e recebo sempre a mesma resposta: “Eu estou bem! Sou eu quem deve se preocupar com você, Sandu. Sou o brat mais velho; vá aproveitar a sua vida e deixe-me em paz.” Como posso deixá-lo em paz se prometi a Marzanna* que não o deixaria mais sozinho na vida?
Não conto sobre a minha promessa a ele, pois tenho medo de que ele acredite que faço isso só por causa dela. A verdade é que amo Aleksei não apenas como meu irmão, mas também como meu melhor amigo; principalmente pelo pai que se tornou ao longo dos anos, amando e cuidando de nós mais do que o nosso pai fez.
Dimitri, com a sua maneria discreta de ser, me olha com aborrecimento. Mais uma semana, mais uma secretária – provavelmente mais uma funcionária que sairá correndo por causa do mau humor do Aleksei. Estava certo de que hoje meu irmão está insuportável; o final de semana inteiro foi desgastante. Tivemos videochamadas para a Rússia, Itália e França sobre alguns desentendimentos banais que nos deram um pouco de dor de cabeça, tanto que fomos obrigados a recorrer aos nossos representantes para agirem de forma mais incisiva; caso contrário, nem quero pensar na atitude severa que sejamos obrigados a tomar.
Seguimos para a empresa com a expectativa de não encontrarmos mais uma secretária sem noção querendo nos bajular – isso não funciona conosco. Se essa secretária não der certo, darei a sugestão de contratarmos um homem mas isso nos deixará sem a sensibilidade de uma visão feminina.
Subimos pelo elevador comum, não quisemos e não temos um elevador privativo – achamos esnobe e desnecessário. Usamo-lo muito pouco porque gerar desconforto tirando um meio dos funcionários de seguirem para os seus andares, com lotação no elevador, e demora por esperá-lo? Nos divertimos ao percebermos a tensão gerada nas pessoas que dividem aquele espaço pequeno. Não mordemos ninguém, apenas continuamos nossas posturas rígidas e severas. Acreditem: somos extremamente educados, cumprimentando todos cordialmente em português. Agora se alguém quiser conversar, será em russo – aprendemos apenas o básico, como saudações.
Estávamos distraídos quando saímos do elevador e nos deparamos com uma garota em pé, mexendo nos armários de arquivo. Os meus pulmões pararam de respirar; tanto eu quanto o Dmitri ficamos sem cor, o sangue sumindo de nossos rostos. Permanecemos parados, duas estátuas de mármore branco, boquiabertos e atônitos ao ver a Yeketerina bem ali à nossa frente.
Ao nos notar, ela sorriu docemente e, em russo perfeito, ouvimos sua voz melodiosa.
-Bom dia, gospoda*(senhores). Sou a Anya, a nova secretária. Posso ajudá-los em alguma coisa?
Por Lada, ela é perfeita! Nos tratou educadamente, sem floreios. O Aleksei será que a viu? Anya é a sombra perfeita da minha cunhada. O Dmitri se encarregou de fazer as apresentações; provavelmente não saberia quem somos, já que não temos fotos em lugar algum. Todos sabem que existimos, mas não conhecem nossos rostos.
-Devushka* (senhorita), meu brat, já a conheceu? - Perguntei com a esperança de ouvir um “não”.
-Sim, já me apresentei ao gospodin*(senhor) Aleksei. E preciso informar para que tenham cuidado ao entrar na sala dele, há uma falha no carpete que pode fazer com que a ponta do sapato enrosque. Providenciei para que seja consertado assim que a sala fique em desuso.
Eu e o Dmitri perdemos toda a nossa faculdade de pensar; nem sabemos como articular qualquer palavra. Anya nos tratou como pessoas normais; não nos encarou, não demonstrou interesse, apenas foi direta, educada e profissional.
O que Lada está aprontando em nossas vidas? Uma garota… bom, ela parece jovem, mas acredito que talvez tenha a mesma idade que eu. Linda, educada, fala russo perfeitamente sem sotaque; poderia jurar que é russa e está aqui para o nosso encontro.
Por favor, que ela seja perfeita e profissional! Não quero outra secretária, a não ser que o Aleksei não se sinta bem com ela lembrando tanto a Yeketerina.
Sem dizer nada, sigo para a sala do meu irmão; preciso ver como ele está.
Lada* – Frequentemente associada à primavera, à fertilidade, ao amor e à harmonia. Ela é vista como uma deusa gentil e benevolente, cuja presença traz alegria e prosperidade.
Perun* – É conhecido por sua força, coragem e poder no campo de batalha. Ele representa a proteção e a justiça. Associado ao trovão.
Marzanna* – Deusa da morte e do inverno, simbolizando o ciclo da vida, da morte e renascimento.
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