Prólogo

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Oh, pai, me diga
Nós recebemos o que merecemos?
Kaleo - Way Down We Go

PRÓLOGO

Brasil, São Paulo. Agosto de 2025.

Eu tinha doze anos quando vi meu vizinho, Samuel, ex-policial de cinquenta e oito anos, explodir os miolos da minha mãe na madrugada de segunda-feira.

Tecnicamente, não era mais a minha mãe, mas sim o seu cadáver em estado de decomposição. Nada pode descrever o horror que senti quando escutei o barulho de algo sendo rasgado e mastigado. Ingênua — e me atrevo a dizer, um pouco burra — segui os ruídos e encontrei uma cena que nunca será apagada da minha memória.

Minha mãe estava agachada sobre o corpo do meu irmão mais velho, Vitor, devorando suas entranhas, enquanto o corpo flácido dava seus últimos espasmos. O horror da cena se instalou nos meus ossos e fez minhas pernas cederem, alertando aquilo que estava no chão da nossa sala e fazendo sua atenção se voltar a mim.

Os olhos abissais me observaram com uma fome desenfreada. Minha mãe avançou em minha direção, pronta para me atacar. Forçando o meu corpo a se mover, corri para fora de casa gritando por ajuda. Alertei todo o condômino com meus gritos de desespero.

Como num clichê ruim de filme de terror, eu tropecei nos meus próprios pés e caí. O que um dia fora minha mãe continuou a correr em minha direção, até que ouvi um disparo e uma bala atravessou sua cabeça, respingando sangue e miolos ao redor. Costumo não tentar lembrar daquela noite, mas tenho a sensação de que senti alguns pedaços do seu cérebro caindo sobre mim.

Na manhã seguinte, foi noticiado em todos os jornais do Brasil o que ocorreu com minha família. Entretanto, nossa família não havia sido a única que sofreu com uma anomalia não identificada. Outras famílias também foram destaques nos jornais, redes sociais e em quaisquer meios de comunicação.

Dentre todos os dezenove casos, o mais chocante havia sido o de uma gestante de seis meses que abriu a própria barriga e devorou a criança que estava lá dentro. O Brasil não soube reagir a isso. Demonizar algo que não se sabia nem classificar não funcionou nesse caso. O puro terror se espalhou por todo o país.

Descobri semanas depois que todas essas pessoas estavam no mesmo avião, voltando de Nova York. Minha mãe estava viajando a trabalho e teve o azar de embarcar em um avião infectado por algum passageiro que entrou em contato com outro infectado. Um local fechado com muitas pessoas por horas seguidas, foi perfeito para a proliferação de um vírus que acabaria com mais de um terço da população mundial em menos de dois anos.

O Brasil foi um dos primeiros países a sofrer com a infecção do vírus. Ninguém estava preparado para encontrar os corpos devorados voltando à vida, atacando outras pessoas e as transformando em cadáveres ambulantes. O país entrou em colapso em pouco tempo devido a contaminação ocorrer pelo ar e de forma rápida.

Logo, outros países emitiram alertas de emergência e, em menos de um ano, o mundo se tornou um pandemônio. Pessoas em pânico se suicidavam, cadáveres caminhando pelas ruas, animais sendo esquecidos ou usados como distração para dar tempos aos seus donos de fugir, e os mais corajosos começaram a lutar contra esses cadáveres errantes.

O ano de 2025 marcou o início do declínio da sociedade. Lentamente, começamos a ser conduzidos para o fim da nossa existência.

Eu tinha doze anos quando segurei uma arma pela primeira vez e atirei na cabeça de um morto-vivo, marcando assim o início da minha história de sobrevivência.

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