Eles dizem que estou doente. Não demorará muito
até que minha doença se espalhe no mundo.
Sickick - Infected- 1. Malditas Aberrações -
ㅤBrasil, São Paulo. Ano de 2035. 14:37 pm
Depois de anos fazendo silêncio, sussurrando para não atrair atenção e correr o risco de ser devorada, às vezes me esqueço de que tenho um nome. Alice Hoffmann Martins, esse é o meu nome. Tenho que repeti-lo de vez em quando para não esquecer.
Entretanto, torna-se mais difícil lembrar de algo tão trivial quanto um nome quando estou mais preocupada em procurar comida, tentar tomar um banho sem fazer muito barulho ou matar alguns mortos-vivos que deveriam estar mortos.
Durante esses dez anos, desde que o vírus se espalhou pelo mundo e transformou tudo em um retrato de sangue e decomposição, arrisco-me a dizer que matei mais mortos-vivos do que já li livros. E eu li mais de mil livros.
É uma ironia que eu tenha lido tantos livros, visto que odiava ler. Todavia, quando não se tem muito o que fazer em um mundo passando pela extinção, livros realmente são bons companheiros. São silenciosos e também podem ser usados para acender uma fogueira quando não se tem outro material por perto.
Saio de uma estação ferroviária com estrutura antiga e começo a caminhar sem destino. Lembro que essa estação onde estive nas últimas semanas era muito famosa. Por sua estrutura histórica, tornou-se um ponto turístico de São Paulo. Estação da Luz, acho que é esse o nome. É uma tarefa difícil após longos e torturantes dez anos lembrar de algo que costumava ser parte do nosso cotidiano.
O ar está carregado de um cheiro de decomposição que me faz sentir enjôo. O silêncio é tão opressivo como se o mundo estivesse perdendo a respiração.
Decidi me mover para outro lugar porque não consigo mais caçar animais para comer. Eles começaram a se tornar escassos nesta área. Ao longo dos anos, houve uma diminuição significativa da fauna em todo o mundo. Cerca de sessenta por cento de todas as espécies foram extintas. Algumas dessas espécies foram devoradas pelos mortos-vivos, enquanto outras foram caçadas e devoradas por nós, seres humanos. Os animais levaram a pior nesse cenário catastrófico.
Nunca me estabeleço por muito tempo em algum lugar. Estou sempre em movimento. Tornei-me uma andarilha sem destino. Por essa razão, nunca consegui cultivar alimentos. Então, tudo o que me resta é a caça ou os alimentos encontrados nas bolsas de alguém que provavelmente se tornou um morto-vivo.
Também estou deixando este lugar porque houve um aumento no número de mortos-vivos caminhando por aqui. Ontem à noite, escutei os grunhidos de uma horda deles. Por sorte, as diversas mutações que ocorreram não deram a eles capacidade racional, pois, caso contrário, seria o fim definitivo dos poucos seres vivos não infectados que ainda restam no mundo.
Aperto as alças da minha mochila enquanto calculo meus passos, tomando cuidado onde piso e evitando fazer qualquer barulho. Meu estoque de munição está quase no fim. Preciso encontrar mais armas e munições. Sinto-me em desvantagem quando não estou abastecida de munição. Embora eu tenha armas brancas, as armas de fogo são indispensáveis.
Entrar em combate corpo a corpo com os mortos-vivos seria suicídio. Eles são lentos e irracionais, mas extremamente fortes e com audição apurada. Não sou louca o suficiente para arriscar lutar com eles. Antes de me transformar em uma deles, teria meus ossos esmagados por sua força descomunal.
Paraliso quando vejo correndo em minha direção três mortos-vivos. Um deles tinha a barriga aberta, com o intestino pendurado e arrastando no chão. O segundo não tinha antebraços e apresentava metade do rosto descarnado. O terceiro tinha um machado fincado em sua cabeça, o que significa que mais adiante havia algum sobrevivente que tentou lutar com essas três aberrações.
Largo as alças da minha bolsa e pego meu rifle que estava pendurado no meu ombro. Miro e disparo três vezes, acertando a testa de cada um, que caem no chão. Aguardo um pouco até ter certeza que eles não irão levantar. Vejo que não estão se movendo, coloco novamente meu rifle no meu ombro esquerdo.
Noto uma agitação na minha bolsa que pende no meu ombro direito e olho para ela. Lilo, meu gato malhado põe a cabeça para fora agitado. Lilo deve ter ficado assustado com os tiros.
- Ei, tá tudo bem. - Estendo a mão para Lilo e ele se esfrega nela.
Meu gato volta para dentro da bolsa, enrolado em torno do seu corpo. Tenho Lilo há uma década, desde que fiquei sozinha nesse mundo devastado. Encontrei Lilo ainda filhote na rua, tremendo de frio e sujo. Sentindo-me triste por aquele gato abandonado, decidi cuidar daquele filhote.
Eu não tenho nenhuma motivação para viver, às vezes penso em atirar na minha própria cabeça para não ter que suportar o peso de viver o inferno que se tornou a terra. Contudo, ainda tenho Lilo que depende de mim para também sobreviver. Meu gato é a única motivação que tenho no momento para viver. Entretanto, sinto que Lilo já está muito velho e cansado para continuar vivendo os anos que ainda restam pela frente.
Não estou preparada para perder meu único companheiro neste inferno, entretanto, Lilo não parece ter muitos anos de vida. Se eu perde-lô, não sei o que farei. Ele é a única coisa que tenho a perder e sem ele, sinto que não conseguirei suportar esse mundo.
Deixo escapar um suspiro profundo. Limpos os pensamentos, não quero focar nessa possibilidade, ainda não. Lilo ainda está aqui comigo, isso é o que importa.
Volto a caminhar cuidadosamente. Olho para todos os lados em busca de qualquer sinal de mais mortos-vivos, contudo, não vejo nada a não ser ruínas de edifícios e vegetação cobrindo tudo.
Passo pela aberração que tem um machado cravado em sua cabeça e pego-o para mim. Limpo o sangue daquela coisa na minha calça jeans e sigo meu caminho sem olhar para trás. O sol brilha fortemente acima da minha cabeça, queimando minha pele e fazendo-me fechar os olhos.
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ECO DOS MORTOS
FantascienzaNo ano de 2035, a raça humana vive um grande declínio. Dez anos antes, quando um experimento deu errado em um laboratório do maior centro de pesquisas do mundo, teve início o pandemônio global. Uma raça denominada "Mortos-vivos" - cadáveres decompos...