Capítulo 2.

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A imagem da morte
Becos sem saída na minha mente.
MGMT - Little Dark Age

2. Resgatada

Estou há cinco dias sem banho. O mau cheiro que exalo me incomoda tanto quanto a minha barriga, que se contorce de fome. Posso dizer que Lilo está na mesma situação: faminto e sujo.

O suor, a poeira e a crosta de sangue que cobrem meu corpo me deixa com uma sensação agonizante e nojenta. Preciso tomar banho, comer, dormir; preciso de água; preciso de muitas coisas agora, e todas são necessidades básicas e inacessíveis.

Meu período menstrual está se aproximando e não tenho panos limpos para usar e evitar que o sangue escorra pelas pernas. Isso me deixa desesperada. Não consigo encontrar nenhum abrigo ou mochilas perdidas de ex-sobreviventes. Tudo tem se tornado mais difícil nos últimos meses. Encontrar abrigo, água utilizável, comida e animais para caçar parece estar se tornando cada vez mais raro.

A última vez que comi foi há quatro dias. Encontrei uma bolsa abandonada com algumas frutas e um pedaço de peixe cru. O cheiro não estava muito bom, mas acendi uma fogueira, assei o peixe e comi mesmo assim. Horas depois, vomitei e tive febre, mas me recuperei rápido. Essa não foi a primeira vez que sofri uma intoxicação alimentar. Acredito que meu corpo já esteja acostumado a esse tipo de situação.

Mas evitei alimentar Lilo com o peixe. Eu consigo me recuperar de uma intoxicação, mas não tenho certeza se ele conseguiria. Limitei sua alimentação às frutas.

Nosso limite de ficar sem comer é de cinco dias, e já consigo sentir meu corpo ceder diante das necessidades. Meus passos estão mais lentos e arrastados, minha garganta está seca, meus lábios rachados, minhas mãos frias e trêmulas. Minha visão começa a escurecer de tempos em tempos.

Está anoitecendo, e logo São Paulo ficará completamente envolto em escuridão. Ainda tenho minha lanterna, mas não gosto de me aventurar por essas ruas escuras apenas com uma lanterna, um gato faminto e um rifle com três balas restantes.

Lilo se agita na bolsa e começa a miar. Ele passa a maior parte do tempo quieto. Não sei se meu gato entende que precisamos ser silenciosos, mas ele tem sido muito cooperativo. Desta vez, porém, Lilo está inquieto demais por causa da fome.

— Lilo, calma. Por favor, fique quieto — Sussurro. Até falar se torna uma tarefa difícil.

Mas Lilo está resoluto em miar alto e tentar sair da bolsa. Pego-o nos braços e tento acalmá-lo, apenas para sentir suas garras arranhando meus braços enquanto ele rosna para mim.

— Lilo...

Minha visão escurece e sinto meu corpo perder as forças, minha consciência desaparecendo na escuridão.

Recobro a consciência lentamente e ouço vozes ao redor. Entro em pânico e tento me mexer, mas meu corpo não obedece aos movimentos bruscos que tento fazer. Deixo escapar um gemido de dor e cansaço. Pensei que tivesse morrido, porém, o universo não seria tão benevolente a ponto de me tirar da minha miséria.

— Oh, ela está acordando. — Ouço a voz de uma mulher.

Abro os olhos e pisco rapidamente para dissipar a visão turva. Vejo uma mulher se aproximando de mim; ela se agacha ao meu lado e estende uma garrafa de água.

— Aqui. Acho que você está precisando urgentemente disso.

Em outras circunstâncias, eu manteria minha guarda em alerta, mas não consigo sequer manter os olhos abertos direito. Forço-me a pegar a garrafa e a levo aos lábios, bebendo avidamente a água.

ECO DOS MORTOSOnde histórias criam vida. Descubra agora