E lá estava eu. O que eu poderia fazer quanto a isso? Não tenho a mínima ideia. Mas o velho bonachão não deixou de insistir. Sua voz gutural já perturbava meus ouvidos. Aquele era um dia perfeito sendo estragado. Estava perfeitamente nublado, nem uma gota de azul no céu. Uma ventania cheirosa que trazia o gosto de terra molhada ao nariz. E, meu fetiche especial, uma praça vazia, sem um pingo de gente. Eis o motivo de eu estar naquele banco sentado, lendo um livro, me deliciando nas belas aventuras de um casal esquisito, até ser interrompido. Que lástima!
Acredito que nunca fui estorvado de tal maneira. A ternura de minha leitura quebrou-se e caiu em pedaços, engolida pela escuridão e devorada pelo infortúnio. Um velho como aquele, me perguntando uma coisa como essas? Eu me senti violentado. Um ser humano fútil como aquele me rouba um ar de pulmões no futuro, que talvez um dia eu precise, apenas isso já me faz odiá-lo... Que morra e seja enterrado pelos cães, e que seu túmulo seja apenas uma memória de sua alma sofrendo os horrores do inferno. Que em sua morte tragam as garrafas de vinho mais empoeiradas, e matem o animal mais robusto dos campos para comerem e se fartarem. Nunca esquecerei da pergunta mais leviana já feita a mim. Talvez eu seja predestinado a viver uma vida bucólica. Talvez seja a única solução para me livrar de almas insignificantes como essas, que me tiram aquilo que é mais precioso para mim: o prazer de estar com meus próprios pensamentos lendo um digno romance. E que romance! Um clássico dos clássicos...
Aquele velho desvalido ofendeu não apenas a mim... Ofendeu ao próprio Leonard Catri Lewis. O fabuloso e esplêndido L.C.L! Aquele cuja escrita nasceu para fascinar multidões. Ele ofendeu toda a sua família, xingou cada um de seus filhos, estapeou sua mulher e cuspiu em sua face... Que mancha foi deixada nesse dia! Uma mancha em toda a memorável vida e obra de um autor cujas narinas não resvalam mais ar, e da boca não mais deslizam palavras para que possa defender-se de tamanho ultraje.
Descrevo esse como o dia que me fez desejar não ter nascido. Pois se assim fosse, não teria sido espectador do talvez maior crime já feito... Perdoe-me Catri... Perdoe-me Narciso, a quem escrevo essa carta... Perdoe-me por escrever essas palavras... Minhas mãos foram violadas por escrever algo tão ofensivo, e nunca mais serão as mesmas...
"Bom dia, meu senhor... Perdoe-me a interrupção, mas estou curioso, esse livro que você está lendo é bom?"