O ônibus balançava levemente enquanto passava pelo asfalto esburacado, seguido pelas sombras do anoitecer que pouco a pouco dominavam o mundo. As pessoas dormiam, exaustas da viagem interestadual, ou permaneciam acordadas, ocultas na penumbra do veículo com os rostos bombardeados pela luz dos celulares. Uma dessas pessoas, uma jovem adulta com olheiras consideráveis, desviou seu olhar da tela luminosa para observar a paisagem. As pastagens verdes e os focos de mata foram rareando conforme se aproximavam da parte afastada da cidade, onde ficava a rodoviária, e logo foi possível ver a presença humana.
Ao longe, observou a rua onde os comércios e as casas começavam a aparecer e se surpreendeu com as copas verdes e floridas das inúmeras árvores que ocupavam as calçadas. Não se lembrava de Solarópolis ser tão arborizada. E talvez mal planejada, já que muitas raízes dominavam completamente o lugar por onde as pessoas passariam. À medida que os passageiros do ônibus foram acordando, seus movimentos e murmúrios deram som e ação ao ar lá dentro, marcando a cacofonia do final da viagem. A jovem suspirou, cansada, e começou a recolher suas coisas quando as rodas enfim pararam de girar e o velho ônibus estacionou em sua área com um rangido.
Depois de alguns segundos, quando boa parte da pequena multidão cansada a sua frente conseguiu descer do veículo com malas, bolsas e crianças de colo, a jovem pôde pôr os pés no chão cimentado da rodoviária. Ao ar fresco, encarou os arredores com estranheza, assim como os outros passageiros.
Não havia viva alma na rodoviária.
As luzes estavam acesas, mas não havia pessoas e os objetos e alimentos que indicavam que haviam estado lá jaziam jogados nos bancos e no chão, como se todos tivessem saído às pressas.
Seus olhos voltaram-se para o celular, onde o horário "18:41" piscou. Já era para sua prima estar ali com o carro.
Devia ter acontecido alguma coisa na cidade. Algo grande.
Subitamente alguém gritou e houve uma comoção. Tentando entender por que a multidão se movia para dentro do ônibus de novo, a jovem olhou para o fim da rua e enfim entendeu que deveria se esconder agora.
— Ah, fala sério, de novo não! - resmungou, irritada.
Ao longe, galopando sobre o asfalto com a velocidade de uma locomotiva e com as chamas se erguendo acima do pescoço sem cabeça, a mula de pelo negro se aproximava com intenções violentas.
— ... um dia especial para Solarópolis! - a repórter comentou alegremente - Esse ano, a Caça Anual ao Saci será composta de 3 partes, em 3 dos locais mais importantes dessa grande cidade e, é claro, a caça ao totem no último local!
— Isso mesmo, Cíntia, pelas câmeras já é possível ver uma multidão no Parque das Canoas, o primeiro local, descoberto previamente pelos inscritos ao resolverem o enigma liberado pela prefeitura. Todos aqui fora da área de competição já estão muito animados e prontos para torcer pelos competidores... - completou outro repórter, apontando para o zoom nas centenas de pessoas que já se amontoavam perto da Largada.
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A Hora da Mariposa: um conto de Dia do Saci
FantasyEm Solarópolis, o dia 31 de Outubro mobiliza toda a cidade no evento mais popular da cidade: a Caça Anual ao Saci. Além de uma chance de aparecer na televisão durante a manhã da competição, quem conseguir passar pelos 3 enigmas e encontrar o totem d...