Contos Para Se Ler Antes De Dormir

Tiff Le Teethie

Quem olhasse para cima veria um céu sem nuvens, azul claro e convidativo. O sol resplandecente, iluminando todos os cantos das mais escuras vielas. Crianças brincavam na rua, molhando-se com a água da mangueira, correndo pelo gramado e rindo sob a bela manhã. Ainda assim, havia uma garotinha que preferia ficar dentro de casa, cantarolando e desenhando num papel.
A menina estava ajoelhada no assento da cadeira à mesa da cozinha, um móvel de madeira simples para um ambiente simples. Debruçada sobre a folha e os gizes coloridos, ela murmurava na companhia de sua mãe, que lavava louça tranquilamente de costas para a filha.

"Hm, acho que essa eu não conheço. Qual é essa musica?" A mãe perguntou, sorrindo, enquanto terminava de ensaboar um prato.

"É uma que eu mesma fiz." A garotinha respondeu, concentrada em seu desenho.

"Mesmo? Como ela é?" Um sorriso ainda brincava nos lábios da mãe.

"She's always crying, her eyes 's always red. She has no beauty, her face 's shattered. If you ever see her, you'll be scared. Once she smiles to you, you are dead."

O sorriso da mãe desaparecera. Assim que a filha terminou de entoar a canção inocentemente, a senhora franziu de leve o cenho, aflita com a letra. Ela parou o que estava fazendo e virou o rosto para a pequena garota.

"Você quem fez essa musica?" A mãe perguntou, um tom sutilmente sério. A menina não tirou os olhos do papel.

"Uhum." Respondeu a garota, de forma meiga. "Ah, é mesmo, ela disse pra eu adicionar 'She's not waiting, under of your bed..."

"Ela? Ela quem, meu amor?" A mãe, preocupada, enxugou as mãos no avental e contornou a mesa até ficar ao lado da filha. "É sua coleguinha da escola?"

"Eu não sei, as vezes eu a vejo no banheiro, mas acho que nunca a vi entre os meus amigos." A senhora olhou para o papel. Um frio percorreu seus ossos.

"Meu anjo, qual o nome dessa garota?" Na folha em que sua filha desenhava, havia traços fortes e tortuosos de uma figura pálida, desgrenhada, contendo a boca sorridente banhada em giz vermelho sangue.

"Ela falou para eu chama-la de Teethie."

*

Tiffany fora sempre uma menina energética, alegre. Mas, quando ainda pequena, depois da morte de seu pai, sua mãe decidiu se mudar. Partiram para outra cidade, viver numa vizinhança que pensavam ser mais segura e calma.

A garota não demorou a fazer novos amigos. Vizinhos, brincavam sempre na rua assim que voltavam da escola. Eram quatro, dois meninos e duas meninas. O suficiente para preencher a vida de Tiffany com risos e aventuras. Os anos foram se passando, as brincadeiras deixaram o tato infantil e, quase como de praxe, a jovem, agora uma moça crescida, acabou se apaixonando por um deles.

Porém, seu coração foi partido ao ver o menino de quem gostava declarando-se e amando sua melhor amiga. Mesmo assim, os quatro não se distanciaram. Ela manteve sua paixão em segredo. Tiffany aprendeu ali o que era crescer,  chorando no colo da mãe, mas também aprendeu o valor da amizade. Ao menos, até o dia em que o menino, namorado de sua amiga, tentou beija-la à força. Tiffany resolveu contar tudo para sua colega, gerando uma discussão que resultou na separação dos quatro.

As coisas mudaram para Tiffany então.

Sozinha, ela buscou outras pessoas no colégio. Pessoas que não eram como ela, pessoas que não a conheciam de verdade e nem se importavam em o fazer. Conforme crescia, passou a atrair atenção diferenciada, também, por possuir uma beleza única. No entanto, ao contrário do que pensavam, ela não gostava nada disso. A bela aparência de Tiffany contradizia seus pensamentos, sua postura contradizia suas notas e seu sorriso contradizia suas lágrimas. Garotos tentavam induzi-la a comportamentos indecentes, homens mais velhos assobiavam para ela na rua, idosos lhe mandavam beijos banguelas e babados. Quando até mesmo perto de sua mãe desrespeitavam-na, assediavam-na, Tiffany começou a achar que sua beleza era uma maldição.