"Monstros não existem" é o que dizem a todas as crianças quando pequenas, mas se eles realmente não habitam entre nós, então por que somos chamados desta forma quando descobrimos o que realmente somos? Maria Fernanda, ou Mafer para os próximos, sofreu essa grande e terrível rejeição quando possuía 15 anos de idade.
O sol levantou cedo da cama naquele dia, era apenas quatro e meia e o dia estava clareando cheio de segredos e emoções que correm pelas veias da ruiva. Suas sardas pareciam ainda mais aparentes, seus cachos não estavam para pente, então restou-lhe apenas a chance de prende-lo em uma xuxa velha de cabelo.
Quando seu primeiro alarme das seis tocou, a ruiva de pouca altura correu até o colégio particular que estudava, correu frenética e ansiosa, queria ver seu amor e encher de beijo o seu formoso rosto. "Bom dia cenourinha, onde vai com esta pressa tão cedo?" Os vizinhos que já estavam indo para o trabalho perguntavam sem parar, mas não tinham resposta alguma já que Mafer estava concentrada em chegar na escola.
Se a pressa não fosse sua maior inimiga, suas cartas estariam guardadas e seguras, nunca caídas sobre um criado mudo.
- Bom dia minha princesa, pressa certeira a sua não? Perdeu o horário?- A morena acendeu seu primeiro cigarro naquela manhã enquanto encarava a mais nova respirar de forma ofegante.
- Sabe o quanto eu corri? Sete quarteirões, sem parar!- Mafer se pronunciou pela primeira vez, grande era a sua indignação por sua coragem, mas não tão grande quanto seu amor- Ah Kayla, eu quase conheci Roma de tanto que corri, e não assopra essa fumaça em mim, mamãe me mata!
- Acha que não sei? Que sogra raivosa eu tenho!- Kayla sorriu radiante para a apaixonada em sua frente. De forma rápida, deixou-lhe um selar no canto da boca aveludada de Maria, abraçou sua cintura e apertou-a contra si- Você é tão cheirosa... quero poder sentir seu perfume pelo resto de minha vida!
As aulas passaram de forma tediosa naquela manhã, Maria manteve seus pensamentos ocupados pelas últimas palavras de sua amada, desta forma não conseguia pensar em nada do que os professores explicavam em suas aulas. Enquanto voltava à casa, encurtou os passos e fez do seu caminho uma enorme calmaria, não tinha vontade de atravessar o grande portão branco, ao menos de ouvir sua mãe falando sobre suas tias chatas que brigam o tempo inteiro. Respirou fundo e escorou na parede de um mercado qualquer, acendeu um cigarro que estava um tanto amassado e tragou-o até que sua mente estivesse vazia de pensamentos negativos; quando colocou-se de pé para trilhar o seu caminho, avistou um colega de classe que resolveu acompanhar e conversar sobre desenhos e animais de estimação.Dócil garotinha com desejos e sentimentos tão maiores que o seu corpo, havia de ter escolhido não voltar à sua casa...
Uma mãe furiosa, incrédula e indignada segurava diversas cartas em suas mãos, cartas cheias de sentimentos e confusões que sobrevoam a mente da ruiva.
Mafer sentiu perder o chão, as lágrimas salgadas aguaram seus olhos claros, seus lábios contraíram-se em busca de explicações o suficiente. Ela não queria dizer, ao menos gritar, Maria só queria chorar até que o Mundo se acabasse, seus piores medos e sentimentos estavam ali, expostos nas mãos de uma senhora raivosa que podia matar a garota com os olhos! "Vadia nojenta!" Sua mãe gritava de forma repugnante pela casa enquanto rasgava aqueles papéis tão importantes "Como ousa envergonhar a sua família desta forma?! Desde quando se rebaixou ao nível de uma prostituta, Maria Fernanda?! O que eu fiz para merecer uma filha lésbica?!" A cada grito o coração se rompia e o desespero assombrava sua mente, Maria queria correr para longe, correr para os braços de sua amada.
Em meio a choros e soluços, a garotinha fora abandonada a beira do penhasco por tudo e todos, sem uma moradia, sem uma mãe, sem uma namorada, Maria sentiu-se como um monstro na procura de um lar, na procura de uma mísera aceitação.
O pior pecado de um coração apaixonado é crer que todos entendam e tenham compaixão com os seus terríveis sentimentos...
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Um coração em chamas
RandomDedico este livro a todos que sentiram o peso da culpa tomar seu coração e pousar sobre seus ombros; dedico para todas as garotinhas que o destino obrigou-as crescer rapidamente, ou as pessoas que precisaram fugir de si mesmos para encaixar em um me...